Sociedade de Fato entre Pessoas do mesmo Sexo Independente de qualquer Inovação Legal (Artigo publicado na Revista Jurídica Nº 245 – pág. 32)

Luiz Fernando Valladão Nogueira

1. Seja qual for a extensão de eventual inovação legal, quanto ao resguardo de direitos civis de homossexuais, o certo é que alguns poucos Tribunais já vêm se manifestando, a respeito do tema, em especial sobre a divisão de bens, adquiridos na constância de alegadas sociedades de fato.
Alguns Pretórios, alheios à opção sexual dos envolvidos, fazem a análise, caso a caso, da existência dos pressupostos de uma sociedade de fato. Outros, mais tradicionais, não se desvencilham da questão sexual, de tal maneira a negar, sistematicamente, em casos tais, a existência de sociedade de fato.
O TJSP, quando do julgamento da AC 240.192-1/0, cujo acórdão foi relatado pelo Des. ACCIOLI FREIRE, negou a existência da sociedade de fato entre duas mulheres, calcado no fato de a prova não ser suficiente. Alegou-se, ali, que autora e ré, simplesmente, moraram juntas, sendo que a apelante deveria provar que seus esforços foram dirigidos no plano econômico, para a formação de um patrimônio comum.
O TAMG, todavia, em acórdão sujeito a recurso especial já admitido, foi mais drástico, tendo registrado que o fato de duas pessoas do mesmo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não cria direito algum para qualquer deles e não cria laço algum senão o da amizade (AC 226.040-8, Rel. Juiz CARREIRA MACHADO).
2. O estudo da matéria, na verdade, passa por um retorno à origem da Súm. 380 STF, que consagrou, nas hipóteses de concubinato (sexos opostos), as conseqüências jurídicas das sociedades de fato, hoje já consolidadas por texto legal.
Na verdade, o art. 1.363 do CC, impulsionador da criação da referida súmula, ao dizer que celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns, nada disse sobre o sexo das mesmas, muito menos sobre suas preferências sexuais.
Por ser visto assim – sob o aspecto restrito do direito das obrigações -, que este dispositivo legal passou a ser examinado com absoluta abstração do conteúdo axiológico dos casos concretos, que com ele eram cotejados.
A união dos esforços, ainda que tacitamente acordada, é que há de ser considerada relevante, independentemente da preferência sexual do sócio.
3. Mais do que isto, a jurisprudência, inclusive do STJ, passou a entender que esta “união de esforços”, no caso de sociedade de fato, prescindia da captação idêntica e direta de dinheiro. Cada sócio ou companheiro, desde que contribuísse à sua maneira para a construção de um patrimônio comum, deveria ser contemplado, quando da dissolução da “sociedade”.
No que pertine à relação concubinária, realmente, o STJ passou a preconizar que a Súm. 380 STF e o art. 1.363 CC deveria ser aplicados com maior amplitude.
Assim é que prevalecia o entendimento, de que o concubinato, só por si, não gera direito à partilha. Necessário que exista patrimônio constituído pelo esforço comum. Daí não se segue, entretanto, que indispensável seja direta essa colaboração para formar o patrimônio. A indireta, ainda que eventualmente restrita ao trabalho doméstico, poderá ser o bastante (REsp. 1.648, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, pub. 16.04.90, in REVISTA JURÍDICA, 154/91, Em. 3.494).
4. Viu-se, então, que, no campo do direito das obrigações, não há qualquer restrição jurídica ao reconhecimento destas sociedades de fato, formadas entre pessoas do mesmo sexo.
O primeiro instituto é reconhecido como entidade familiar, por isto mesmo gera direito a alimentos (L. 9.278/96). Já a chamada sociedade de fato, obviamente, nada tem a ver com o direito de família, sendo que a ela só importa a confluência de esforços à formação de um patrimônio.
Em outras palavras: mesmo num relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, se houver a confluência de esforços à formação de uma sociedade de fato, ainda que de maneira indireta, mister a divisão do patrimônio, quando de sua dissolução, sob pena de enriquecimento ilícito de um dos sócios.
5. É de salientar-se, ainda, que a assertiva do acórdão mineiro aqui mencionado, de que a convivência sob o mesmo teto, por longos anos, nada gera, quando se trata de pessoas do mesmo sexo, colide frontamente com “as exigências do bem comum” e “os fins sociais da lei”, postos em evidência pelo art. 5° da LICC (no caso, a lei é o art. 1.363 CC)
Ora, ninguém, em sã consciência, pode negar a realidade social, que congrega, bem ou mal, diversas “sociedades de fato” entre pessoas do mesmo sexo.
O enriquecimento ilícito, sempre repudiado pelo Direito, é que não pode ser objeto de contemporização, mormente em casos em que um dos sócios falece, abrindo ensanchas à família – na maioria das vezes distante por preconceito – para que possa herdar a integralidade do patrimônio deixado, em prejuízo daquele que, direta ou indiretamente, contribui à sua formação.
6. Conclui-se, assim, que os Tribunais, em especial o STJ, devem iniciar uma construção jurisprudencial, assim como o concubinato (o que gerou a Súm. 380 STF), no sentido de aceitar as sociedades de fato entre pessoas do mesmo sexo, não como forma de fazer apologia ao homossexualismo, mas sim como meio de evitar o odioso enriquecimento ilícito.