Apostila Curso Direito de Família – EJEF

TEMAS TRATADOS À LUZ DO NOVO CPC E DEMAIS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E CONSTITICONAIS:
§ PRINCÍPIOS
§ ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS
§ EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
§ MEDIDAS DE URGÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA

PROFESSOR LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA

1 . PRINCÍPIOS – NATUREZA – CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CÓDIGO CIVIL – EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010 – NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO.

1.1. PRINCÍPIOS. NATUREZA. De início, deve-se afirmar que as normas se identificam como gênero, do qual se extraem espécies como são as regras e os princípios. Pode-se dizer que as regras têm contornos objetivos, de maneira que o magistrado pode aplicá-la ao caso concreto, conforme a interpretação implementada. Diferente disso, os princípios trazem conceitos mais genéricos e amplos, os quais contribuem para a própria criação das regras, assim como na manifestação de escolha pelo magistrado quando estas trazem cláusulas abertas, ou mesmo para a superação de conflitos entre regras distintas ou para o preenchimento de lacunas legislativas.
As regras, pois, possuem diretrizes mais específicas, sendo exemplo disso as leis e as súmulas vinculantes. Com efeito, essas modalidades de regra são aplicadas aos casos concretos que se identifiquem com os enunciados que elas trazem. Assim é que, em havendo colisão entre dois veículos, e uma vez acionado o Estado-Juiz, deverá o magistrado condenar o causador do ilícito a arcar com a indenização correlata, desde que haja danos. Trata-se de imediata aplicação do instituto da responsabilidade civil, insculpido nos arts. 186 e 927 do Código Civil.
No campo dos princípios as coisas acontecem um pouco diferente. Por exemplo, no caso do acidente automobilístico, o Juiz, ao fixar a indenização para compensação por danos morais, deparar-se-á com uma regra dotada de cláusula aberta (“ainda que exclusivamente moral” – art. 186 CC), eis que o legislador não estabeleceu critérios rígidos para a quantificação de valores. Aí terá ele que se valer de princípios como a da proporcionalidade e da dignidade humana, para optar por um valor exato e que seja suficiente a fazer justiça entre as partes.
Revela-se convincente o conceito de Miguel Reale Júnior, no sentido de que princípios são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 27ª ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002).
Quando acontecer choque entre regras, aplicar-se-á as dirimentes constantes, sobretudo, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, como se dá, por exemplo, com a prevalência de leis posteriores sobre anteriores, e específicas sobre as genéricas (art. 2º LINDB). Isso significa que, num caso concreto, verificar-se-á a lei que prevalece, afastando-se aquela que é em sentido contrário.
Já na hipótese de colisão entre princípios, deve o exegeta valer-se do critério da ponderação, segundo o qual se providencia a redução do alcance de um deles em benefício da relevância e prevalência daquele outro para a situação concreta. Ou seja, ambos princípios continuam válidos e não são anulados, podendo, na medida exata, ser aplicados na solução da lide.
Ao afastar o princípio da relativização da coisa julgada em determinada situação, bem elucidou o Superior Tribunal de Justiça sobre o aparente conflito entre princípios. Vale conferir:

“1. Quando há confrontos entre princípios jurídicos não se caracteriza uma antinomia verdadeira, de modo que não se deve resolvê-los à luz dos critérios formais de solução de conflitos entre regras jurídicas – lex posterior derogatlex priori, lex superior derogat Lex inferiori e Lex specialis derogat Lex generalis-, mas por meio da técnica da “ponderação de interesses” (também chamada de “concordância prática” ou “harmonização”), a qual consiste, grosso modo, na realização de uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada princípio, preponderando aquele de maior peso. Doutrina.
1.1. A jurisprudência do STJ tem, de fato, aplicado a teoria da relativização da coisa julgada, mas o tem feito apenas em situações excepcionais, nas quais a segurança jurídica, que é o seu princípio informador, tiver que ceder em favor de outros princípios ou valores mais importantes, como a busca da verdade real (nas ações sobre filiação cujas decisões transitadas em julgado conflitem com resultados de exames de DNA posteriores), a força normativa da Constituição e a máxima eficácia das normas constitucionais (nas execuções de títulos judiciais fundados em norma declarada inconstitucional pelo STF) e a justa indenização (nas ações de desapropriação que estabelecem indenizações excessivas ou incompatíveis com a realidade dos fatos).
1.2. A mera alegação de que uma sentença acobertada pela coisa julgada material consagra um erro de julgamento, consistente na aplicação equivocada de um dispositivo legal, não é suficiente para que seja posta em prática a teoria da relativização. A correção de tais erros deve ser requerida oportunamente, por meio dos recursos cabíveis ou da ação rescisória.
1.3. É temerário afirmar genericamente que sentenças erradas ou injustas não devem ser acobertadas pelo manto de imutabilidade da coisa julgada material, permitindo-se que, nesses casos, elas sejam revistas a qualquer tempo, independentemente da propositura de ação rescisória. O grau de incerteza e insegurança que se instauraria comprometeria o próprio exercício da jurisdição, em afronta ao Estado de Direito e aos seus princípios norteadores.” (REsp 1163649 / SP, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 27/02/2015).
Em rápida síntese, pode-se dizer que se impõem a aplicação das regras, mas estas devem ser interpretadas à luz dos princípios vigentes.

1.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. A nossa Constituição Federal adota diversos princípios, expressamente. Grande parte desses princípios se encontra no art. 5º da CF, como é o caso, por exemplo, daquele que contempla a isonomia (art. 5º inc. I), ou o que versa sobre a legalidade (art. 5º inc. II) ou sobre a livre manifestação (art. 5º inc. IV).
Além desses princípios explícitos, tem-se a autorização da própria Carta Constitucional para a adoção de normas dessa natureza e que sejam implícitas. A propósito, o art. 5º § 2º CF estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Veja-se que há permissão para que sejam assegurados direitos, ainda que além daqueles decorrentes de norma expressa da Constituição. Tem-se aí, pois, a figura dos princípios constitucionais implícitos.
Pois bem, a Constituição Federal é rica quanto à adoção de princípios constitucionais expressos, de índole processual. Anote-se, por exemplo: Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional (art. 5°, XXXV, CF/88); Princípio do Juiz Natural (art. 5°, XXXVII e LIII, CF/88); Princípio da Publicidade (art. 5°, LX); Princípio da Duração Razoável do Processo (art. 5°, LXXVIII).
E, quanto aos princípios processuais implícitos, pode-se dizer que praticamente advém como desdobramentos do princípio do “devido processo legal”. Sim, o art. 5º inc. LIV CF, ao estabelecer que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, valeu-se de cláusula extremamente aberta. O significado mais objetivo que se pode extrair para a expressão “devido processo legal” está na afirmativa de que é aquele que, de forma justa, equilibrada e efetiva, assegura o equacionamento do conflito.
No âmbito dessa generalidade inserta na cláusula do dwe process of law, encontram-se princípios que norteiam a procura pela decisão justa, equilibrada e efetiva. Nessa toada cabe invocar princípios, como os da proporcionalidade, razoabilidade, efetividade, lealdade e, de certa forma, o duplo grau de jurisdição.
Ora, a decisão só será equilibrada, se o processo houver permitido a igualdade de armas entre os litigantes, e, ao mesmo tempo, que elas tenham sido utilizadas de maneira honesta por eles (lealdade). De outro lado, a decisão só será justa se for razoável, à luz das pretensões das partes e daquilo que ordinariamente acontece na vida de todos nós e da sociedade. A decisão, mais ainda, será efetiva, caso o bem de vida chegue na quantidade e intensidade necessárias à satisfação do vencedor e, naturalmente, que a sucumbência experimentada pelo derrotado seja condizente com o que lhe deve ser imposto pelo Juiz (proporcionalidade).
1.3. PRINCÍPIOS RELEVANTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA. O princípio da dignidade da pessoa humana é estabelecido, na Carta Magna, como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º inc. III). Por isso mesmo, ao ser reiterado no artigo 8º do novel Código processual civil, passa a ter ênfase necessária, de modo a funcionar como grande vetor na aplicação do direito processual e material.
O referido princípio tem servido de bússola para orientar decisões judiciais, em casos que o magistrado se vê em conflito de regrar ou mesmo lacuna legislativa.
Com efeito, nessa linha de raciocínio que o STF tem adotado a relativização da coisa julgada quando se trata de investigatória de paternidade (RE 363889 / DF). Ou, de igual forma, é com fundamento em tal princípio que o STJ tem interpretado o alcance da impenhorabilidade (ex: REsp 950663 / SC).
Enfim, a dignidade humana deve ser mesmo esse grande referencial, notadamente no Direito de Família. Isso não significa que pode ter força para contrariar regra clara, adotada pelo legislador, apenas para exprimir valores ostentados pelo magistrado que decidirá. A presente ressalva deve ser feita, para que, em última análise, a própria Constituição Federal não seja olvidada, notadamente naquilo que diz respeito à divisão de poderes entre Legislativo e Judiciário.
Já no art. 1º inc. IV da Carta Magna tem-se assegurada a livre iniciativa. Tal paradigma constitucional, sob o viés do direito das obrigações, significa que o cidadão é livre para contratar com quem quiser e da forma que entender adequada, observados, obviamente, os limites impostos pela ordem jurídica.
Trazendo tal princípio ao campo do Direito de Família, ganha ele corpo nas escolhas a serem feitas no campo afetivo e nas obrigações daí decorrentes. Não é razoável, num campo onde prevalecem interesses estritamente pessoais e afetivos, a limitação nas escolhas feitas, por exemplo, ao modelo de família, ao regime de bens, à duração da própria relação, etc…
Numa coerência constitucional, tem-se assegurada a livre iniciativa, especificamente quanto ao livre planejamento familiar (art. 226 § 7º). Com efeito, trata-se de direito fundamental, pelo qual se permite as escolhas quanto ao número de filhos e orientação dada aos mesmos pelos pais. Isso significa que, ainda que haja carência material, a população é livre para expandir a família, da forma como planejado. Nenhuma lei, ante o padrão constitucional da garantia, pode ser limitativa da mesma.
Mas não é porque há liberdade de opções, que se faculta aos pais, por exemplo, tratarem a paternidade de forma inconsequente e em detrimento aos filhos. Por isso mesmo a Constituição Federal estabelece o princípio que versa sobre a paternidade responsável (art. 226 § 7º). Tal princípio exige rigor na formação e manutenção da família, de forma a assegurar o interesse do menor.
Aliás, entrelaçados com a paternidade responsável, estão os princípios da isonomia na filiação (art. 227 § 6º) e do melhor do interesse do menor (art. 227 caput). Em outras palavras, o livre planejamento familiar exige a contrapartida quanto à assunção de responsabilidade na manutenção e orientação dos filhos, seja qual for a origem da filiação. No plano infraconstitucional, há diversos dispositivos que impedem qualquer preconceito ou restrição relacionados com a origem da filiação. Demais disso, no conflito de regras ou normas deverá o juiz sempre se voltar à prevalência do melhor interesse do menor.
Nessa toada, pode-se invocar a garantia constitucional de uma sociedade justa, livre e solidária (art. 3º inc. I), ao mesmo tempo da isonomia entre os sexos (art. 5º inc. I – art. 226 § 5º). Ora, não há liberdade de opções que possa se concretizar em detrimento da solidariedade, a qual merece ênfase no campo das relações de afeto. Com base em tal princípio, as interpretações do Judiciário devem se pautar por privilegiar obrigações de assistência entre as pessoas que compõem grupo familiar. E a isonomia entre sexos repugna qualquer norma infraconstitucional que estabeleça privilégios para parentes, cônjuges ou companheiros apenas por conta do seu sexo.
A partir desses princípios explícitos, pode-se extrair numa interpretação sistemática da Constituição os seguintes princípios implícitos:
Afetividade
Liberdade de autodeterminação afetiva
Intimidade e da privacidade
Promoção da paz social
Interesse público na reconciliação
Com efeito, o que move os vínculos criados nos grupos familiares é o afeto, o qual pode ser exteriorizado por força da liberdade assegurada constitucionalmente. É a partir da presunção da presença do afeto que o legislador estabelece obrigações aos integrantes da família, tanto que, em jurisprudência dominante prevalece o entendimento de que, em determinadas situações, a paternidade sócioafetiva pode prevalecer sobre aquela meramente biológica. A título de exemplo, vale verificar que o STJ já decidiu que “mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva – relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente” (REsp 1244957 / SC, rela. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 27/09/2012).
Se é verdade que há liberdade assegurada nesse setor, não menos certo é que o tema é da intimidade das pessoas. Cabe, a partir de tal premissa, afastar o Judiciário, ao máximo, de intervenções nos conflitos de tal natureza, relegando sua atuação para a parte patrimonial. É por isso que se afigura irrelevante no Direito de Família o elemento culpa em todas as suas vertentes, admitindo-se a incursão em tal seara para situações excepcionais.
O importante é ter em mente que os conflitos, na seara da família, não contribuem para a paz social. Por isso, se é verdade que o Estado dever ser pouco intervencionista nessa área, mais certo ainda é que, se inaugurado o processo judicial, deve-se atuar para que a composição ou a solução seja alcançada o quanto antes.

1.4. PRINCÍPIOS REFORÇADOS PELA EC 66/2010 E PELO CÓDIGO CIVIL. A Emenda Constitucional 66/2010, ao eliminar entre nós a exigência de prazos e prévia separação para o divórcio, assegurou a liberdade e a dignidade humana. Ou seja, não pode o Estado intervir no afeto e autodeterminação das pessoas quanto à manutenção de laços nesse setor.
De quebra, o legislador constituinte, com o advento da citada emenda, repugnou a discussão sobre a culpa pelo rompimento do vínculo, algo que, durante longo tempo, foi tratado de forma dogmática.
Se esses princípios, em data recente, foram revigorados, tal situação deve ser observada sempre que, em situações concretas, o magistrado deparar com conflitos de normas. Ou seja, a interpretação deve se pautar, via de regra, pela liberdade de opções, com seus desdobramentos inclusive patrimoniais, dos que compõem o grupo familiar.
É lógico que o direito de família está também ao abrigo do direito público, até mesmo para que a liberdade não prejudique garantias individuais. Porém, se não houver diretriz legal que imponha ao magistrado postura garantista, deve ele decidir em sintonia com as livres opções.
Nada mais sensato, com efeito, para que seja alcançada a paz social o quanto antes, que o magistrado atente-se ao que foi entabulado, sem ferir limites legais, pelas partes.
No mesmo ritmo tem-se o código civil, o qual esmiúça diversos princípios, valendo destacar o que trata da intervenção mínima (art. 1513 CC). Sim, nos termos do referido artigo, “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Também na linha constitucional, o art. 1.565 § 2º do Código Civil enfatiza que “o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”.
O princípio da solidariedade, de sua vez, recebe concretude, no campo dos alimentos, nas diversas disposições, a tal propósito, contidas no código civil.

1.5. OS PRINCÍPIOS NO NOVO CPC. O novo código de processo civil, já no artigo 1º, estabelece que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
O artigo art. 126 CPC/73 estabelecia preponderância das leis, em comparação com outras fontes do Direito. Sim, a literalidade do referido dispositivo era no sentido de que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Diferente disso, o art. 140 NCPC assevera que “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”.
Em outras palavras, o ordenamento jurídico deve ser analisado de forma horizontal, sem hierarquia. Daí a relevância dos diversos princípios agora estudados.
Tanto é verdade o que ora se afirma, que o art. 489 § 2º NCPC estabelece: “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.
Ou seja, na colisão de normas, a ponderação é que guiará a deliberação do magistrado, podendo prevalecer o princípio em detrimento de alguma regra.
Destaque-se que o próprio código processual encampou princípios, mostrando a relevância de tal fonte do Direito. Eis os principais:
Primazia do mérito = arts. 4º, 6º, 317 e 488 NCPC.
Dignidade humana = art. 8º NCPC.
Proporcionalidade = art. 8º NCPC.
Razoabilidade = art. 8º NCPC
Legalidade = art. 8º NCPC.
Eficiência ou efetividade = art. 8º CPC.
Boa-fé processual, inclusive na interpretação das decisões = arts. 5º e § 3º art. 489 NCPC.
Isonomia = art. 7º NCPC.
Estabilização da jurisprudência (arts. 926/927 NCPC).
Verifica-se, de tais princípios, a importância do magistrado procurar, a partir dos delineamentos das leis, decisão que observe a razoabilidade, a proporcionalidade, a dignidade humana, a isonomia e a boa-fé.
Porém, de nada adianta tal provocação, se a justiça for morosa ou se perder em aspectos meramente formais, ainda mais no campo do Direito de Família, onde a paz social deve imperar o quanto antes.
Assim é que o princípio da primazia do mérito exige que o magistrado enfrente a lide e desate o conflito, não se perdendo em aspectos formais.
Com efeito, o art. 4º do novo diploma processual informa que a duração razoável do processo está atrelada à “solução integral do mérito”. De igual forma, o art. 6º estabelece que a cooperação entre os sujeitos do processo tem em mira alcançar “decisão de mérito justa e efetiva”.

No plano prático, esses dispositivos programáticos resultaram em várias relevantes alterações, valendo anotar alguns rápidos exemplos:

Art. 317 – Impõe ao juiz oportunizar o saneamento do processo e correção do vício, antes de proferir sentença sem resolução de mérito. Ou seja, o juiz não deve desistir de oportunizar a correção do vício, independente de tentativas anteriores, de forma que se vendo na contingência de extinguir o feito sem resolução de mérito, há de instar, derradeiramente, a parte interessada.

Art. 488 – Esse dispositivo aplica, para a hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito, o mesmo critério usado pelo CPC/73 para as nulidades. Vale dizer que, agora, o Juiz não extinguirá o processo sem resolução de mérito, se antever que o desate da lide (mérito) seria favorável à parte beneficiada pela extinção. Ou seja, o Juiz identificará o vício, mas o superará e julgará o mérito a favor da parte que seria beneficiada pela extinção do processo sem resolução de mérito. Assim agindo, o magistrado trará, mais rapidamente, a almejada pacificação social.

Art. 338 – Nesse dispositivo o legislador faculta ao autor, deparando este com preliminar de ilegitimidade do réu ou invocação de que o mesmo não é “responsável pelo prejuízo invocado”, alterar sua petição inicial “para substituição do réu”. Ou seja, mitiga-se o rigor da estabilidade da lide, no plano subjetivo, e permite-se mudança do réu após a contestação. Dito de outra forma, tal dispositivo repugna a ideia de extinção do processo sem resolução de mérito e autoriza a solução da lide com a inserção de novo réu.
No tocante aos recursos, o par. único do art. 932 dá a demonstração clara de que, doravante, o juízo de admissibilidade nos recursos deverá ser critério, apenas, para segurança e isonomia entre as partes. Não se conceberá a possibilidade dos pressupostos de admissibilidade serem tratados de forma sacramental, ao ponto de impedirem cegamente a incursão no juízo de mérito do recurso.
Está no citado par. único do art. 933:
“Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”.
Pretende o legislador, aqui, oportunizar o saneamento dos vícios pertinentes ao juízo de admissibilidade recursal. Não haverá pressuposto de admissibilidade que seja insanável, devendo, sempre, o relator conceder oportunidade para o recorrente sanar o vício ou complementar documentação exigível.
E, para que as decisões de mérito possam formar jurisprudência firme, de tal forma a conduzirem as atividades das pessoas, já que se trata aí também de fonte do Direito, o novo código criou critérios vinculativos. Com efeito, os artigos 926 e 927 NCPC estabelecem critérios de estabilização da jurisprudência, para que a análise de conflitos de normas seja o mais uniforme possível, de maneira que a paz social seja alcançada pela própria orientação dos tribunais.
Pois bem, vistos os princípios especificamente e a viabilidade de considerá-los na análise do caso concreto, pode-se estudar alguns institutos do Direito de Família.

  1. A MUTABILIDADE DO REGIME DE BENS. INTERPRETAÇÃO À LUZ DA EC 66/2010 E DO NOVO CPC.

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. Grande inovação no Código Civil de 2002, alicerçada na legislação estrangeira (Alemanha, Suíça, França, Espanha e Itália), foi a possibilidade de alteração de regime de bens, desde que atendidas determinadas condições, conforme dispõe o atual artigo 1.639, parágrafo 2º:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Por outro lado, estabelecia o art. 230 do Código revogado que “o regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável.”
Houve, na verdade, a substituição do Princípio da Inalterabilidade do Regime, vigente quando do Código de 1916, pelo Princípio da Mutabilidade Motivada, consagrando a autonomia privada e a intervenção mínima do Estado nas relações particulares.
Então, a alteração do regime convencionado pelo casal quando da realização do casamento passa a ser admitida, via judicial, desde que preenchidos os requisitos legais.
Vale ressaltar que, mesmo antes da alteração legislativa já era possível modificar o regime de bens em casos excepcionais. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal já admitia a conversão do regime de separação (convencional, obviamente) em comunhão universal, em razão da superveniência de filho comum do casal (RE nº 7.126-MG, julgado em 16 de outubro de 1946), sem que isto importasse ofensa à imutabilidade de regimes.
Brilhantemente, explica o autor Orlando Gomes, à época da criação do anteprojeto do atual Código Civil:
Tão inconveniente é a imutabilidade absoluta como variabilidade incondicionada. Inadmissível seria a permissão para modificar o regime de bens pelo simples acordo de vontades dos interessados. O Anteprojeto aceita uma solução equidistante dos extremos ao permitir a modificação do regime matrimonial, a requerimento dos cônjuges, havendo decisão judicial que o defira, o que implica a necessidade de justificar a pretensão e retira do arbítrio dos cônjuges a mudança.
Diante de todo o clamor da maior parte dos aplicadores do direito, o legislativo introduziu, finalmente, a possibilidade de alteração do regime em nosso ordenamento. Tal norma, entretanto, deixa algumas lacunas, as quais estão sendo, gradativamente, sanadas pela doutrina e jurisprudência.
Vale sistematizar os requisitos legais à obtenção da alteração do regime de bens, conforme referido dispositivo legal:
Requisitos para a alteração do regime de bens, conforme o Código Civil:
§ Consenso entre os cônjuges.
§ Identificação exata do regime de bens pretendido.
§ Motivação para a alteração do regime de bens.
§ Demonstração de que não há prejuízo a terceiros.
§ Decisão judicial autorizativa.

2.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ASSUNTO À LUZ DA EXEGESE DA EC 66/10 E DO NOVO CPC.
A Emenda Constitucional n° 66/10 foi responsável, conforme amplo posicionamento doutrinário e jurisprudencial, pela extinção da separação judicial, não mais cabendo a discussão da culpa para a extinção do vínculo conjugal. Ou seja, basta que uma das partes demonstre o interesse pelo divórcio que o Poder Judiciário deve declará-lo, independente do motivo e de qualquer lapso temporal.
O escopo de tal mudança foi, justamente, o de reduzir a intervenção estatal na vida particular, conferindo ao julgador o papel, tão somente, de apreciar as consequências jurídicas do divórcio (partilha, guarda, alimentos etc), e não mais investigar a vida íntima dos cônjuges.
Tal raciocínio, também, deve ser aplicado nas pretensões de modificação do regime de bens. Isto é, uma vez apresentado o simples interesse dos cônjuges e inexistindo prejuízos a terceiros, o Poder Judiciário não pode negar a pretensão.
É que a questão do regime de bens é uma escolha a ser feita apenas pelos cônjuges (salvo, evidentemente, as hipóteses do art. 1641 CC), e as respectivas consequências (bens particulares ou comuns) recairão somente sobre eles. É, na verdade, assunto de natureza privada, atinente à vida íntima e à livre autonomia das partes.
Grande exemplo de respeito a essa liberdade do casal foi o precedente do STJ, REsp 1.119.462-MG, no qual o fundamento para a modificação do regime foi a discordância da vida financeira do casal.
No bojo de seu voto, o ministro relator assevera que
A melhor interpretação que se deve conferir ao supracitado art. 1.639, § 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes.
Certamente, a divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal. (g.n.)
E, ainda, cita a doutrina de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves (2008, p. 227) que, também nessa mesma linha de raciocínio, ensina que:
Sem dúvida, o simples fato de ser requerida, em via judicial, a alteração do regime de bens já indica que algum motivo relevante há para os autores do pedido e para a vida pessoal deles, sendo descabida a indagação da causa. Ademais, não se esqueça que a mudança não produzirá efeitos em relação a terceiros, eventualmente prejudicados (que, ademais, serão citados, tendo os seus interesses preservados). Pela soma de todos estes argumentos, é de se preservar a vida privada e a inviolabilidade do núcleo familiar, dispensando-se, em cada caso concreto, por controle de constitucionalidade difuso, a justificativa do casal.
De qualquer modo, exigida pelo juiz, a motivação pode ser a mais diversa possível, não devendo o juiz ser rigoroso na exigência de uma indicação precisa.
Ora, se o Estado foi afastado da discussão sobre o fim do casamento (apuração da culpa), também deve o ser quanto ao regime patrimonial eleito pelo casal. Em ambos os casos, procura-se evitar a excessiva intervenção estatal no âmbito familiar. A perquirição a respeito do real motivo da mudança pode acarretar situações de desnecessário constrangimento.
Desde, pois, o advento da Emenda Constitucional 66/2010, pela qual foram revigorados os princípios da livre iniciativa e menor intervenção do Estado, tem-se se como justo motivo, para efeito de alteração do regime de bens, a própria vontade dos cônjuges, livremente manifestada em tal sentido.
O fato é que a EC 66/2010, ao valorizar a livre vontade dos cônjuges e ao afastar a fiscalização mais intensa do Poder Judiciário, revigorou o princípio da menor intervenção do Estado nas relações de família, assim como resgatou a força da corrente que defende deter o casamento natureza contratual.
Ora, sabe-se, como aqui já estudado, que os princípios (art. 4º LINDB), enquanto também fontes do Direito, devem nortear o exegeta naqueles casos em que o legislador se valeu de cláusulas ou condições abertas. Exemplo típico disto é exatamente o multicitado art. 1.639 § 2º CC, o qual se vale da expressão genérica e aberta “pedido motivado de ambos os cônjuges”, circunstância que autoriza, por meio dos princípios agora potencializados, a compreensão de que a tal motivação pode se limitar ao livre e honesto desejo dos interessados.
Essa leitura do texto legal se adéqua, enfim, ao propósito de que haja uma menor intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas, permitindo-lhes o exercício do livre arbítrio.
Para evitar dúvidas, o NOVO CPC deixou clara a desnecessidade de que seja “apurada a procedência das razões invocadas” (§ 2º art. 1.639 CC):
Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.
Ou seja, adaptando-se aos princípios aqui invocados, o novo código, revogando em parte o art. 1.639 § 2º CC, exigiu que os interessados apresentassem suas motivações, mas estas não serão apuradas pelo Juiz. É óbvio que, verificando o Juiz, excepcionalmente, alguma dubiedade ou incerteza na vontade dos requerentes ou mesmo a invocação de condição nula, poderá interferir. Mas, de regra geral, a apresentação dos motivos pelos cônjuges será apenas para ficar consignado no processo, até para confronto com eventual alegação futura de prejuízo a terceiro ou nulidade, sendo desnecessária a aferição de sua veracidade no próprio procedimento de alteração do regime de bens.

2.3. PROCEDIMENTO PARA A MODIFICAÇÃO DO REGIME.
O novo código estabeleceu disposições expressas para a alteração do regime de bens.
Pode-se assim sintetizá-las:
§ Petição inicial – consenso entre requerentes. Requerentes devem postular o novo regime de bens, devendo ser apresentada partilha dos adquiridos até então, no caso de haver restrição à comunicabilidade no novo regime (segurança para cônjuges e terceiros).
§ Intimação do MP (art. 734 § 1º NCPC).
§ Publicação de edital ou outro meio válido e eficaz proposto pelos requerentes (art. 734 § 1º e § 2º NCPC).
§ Se o juiz apurar a existência de possíveis interessados, que poderão ser atingidos pela alteração do regime de bens, determinará a citação dos mesmos (art. 721 c/c 725 par. único NCPC).
§ Se entender necessário, o Juiz, até porque não vinculado à legalidade estrita (art. 723 par. único c/c 725 NCPC) e detentor da livre iniciativa probatória (art. 370 NCPC), poderá designar audiência para ouvir os requerentes e colher outras provas.
§ Por sentença, deferirá ou não a alteração do regime de bens, podendo, inclusive, adotar decisão que não seja literalmente de acordo com a proposta pelos requerentes (art. 723 par. único c/c 725 NCPC).
§ Contra sentença, caberá apelação.
§ Transitado em julgado a sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (art. 734 § 3º NCPC).
§ Não produz coisa julgada material a sentença, eis que não resolve lide propriamente dita. Logo, comporta nova alteração por meio de requerimento posterior.

2.4. EFEITOS DA SENTENÇA: ‘EX NUNC’ OU ‘EX TUNC’.
A sentença que autoriza a mudança do regime de bens vale como instrumento hábil à revogação do pacto antenupcial ou do regime legal de bens que regula a relação conjugal.
Todavia, a dificuldade a ser enfrentada reside no seguinte aspecto: qual será o termo inicial de vigência do novo regime de bens? Será retroativo à data do casamento ou apenas a partir do trânsito em julgado da sentença que autorizou a alteração do regime?
A reposta a tal indagação leva em conta a formulação do pedido propriamente dito, os termos da decisão proferida pelo juiz e, principalmente, qual o novo regime eleito pelo casal.
Muito embora seja questão ainda controvertida, os efeitos, em regra, operam-se ex nunc, preservando-se, pois, a situação anterior originada pelo pacto antenupcial, até o momento da mudança.
Em precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, Resp. n° 730.546 – MG, de relatoria do Min. Jorge Scartezzini, publicado em 03/10/2005, entenderam os ministros que:
Os bens adquiridos antes da prolatação de decisão judicial que venha a alterar o regime de bens remanescerão sob os ditames do pacto de comunhão parcial anteriormente estabelecido: o novo regime de separação total de bens incidirá tão-somente sobre bens e negócios jurídicos adquiridos e contratados após a decisão judicial que autorizar, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, a modificação incidental do regime de bens.
Dependendo do regime de bens que rege o matrimônio, o juiz deverá partilhar aqueles até então havidos pelo casal, como medida de assegurar o direito de terceiros. Somente após essa partilha, é declarado o novo regime.
Por exemplo, se o regime vigente for o da comunhão universal e os nubentes pretendem modificar para uma modalidade com restrição à comunicação patrimonial, parece ser tranquila a ideia de que deverá haver a prévia partilha, de modo que sejam eleitos os bens particulares dos cônjuges.
Para Carlos Roberto Gonçalves, “a alteração convencional da comunhão universal somente poderá ser autorizada pelo juiz após a divisão do ‘ativo e passivo’, para ressalva dos direitos de terceiros, como estatui o art. 1.671 do Código Civil.”
A partilha, nesses casos, é medida de segurança e prevenção, tanto para os próprios cônjuges, bem como para terceiros.
O pedido de partilha será fundamentado no art. 1.671 do Código Civil, o qual estabelece o fim da responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro, após a divisão do ativo e do passivo. Ou seja, é importante delimitar a partilha para que eventuais dívidas particulares futuras (que não se comunicam, a teor de tal dispositivo) não atinjam o patrimônio do outro consorte.
Ademais, se a sentença não pode ser condicional, jamais poderia o julgador acolher o pedido de modificação do regime de bens e condicioná-lo à futura partilha. Tal aspecto corrobora a necessidade da proposta ser apresentada pelos próprios autores, na petição inicial ou qualquer outra incidental.
Por outro lado, é possível que os efeitos da sentença sejam ex tunc. Suponhamos que o casal, à época do matrimônio, elegeu o regime de comunhão parcial ou separação total e, anos depois, pretende a alteração para a comunhão universal. Ora, nesses casos, não faz sentido haver distinção entre bens anteriores e posteriores (com partilha, inclusive) se o regime nascedouro estabelece a comunicação de “todos os bens presentes e futuros”(art. 1667, CC/02). Ou seja, mesmo que a sentença não produza efeitos antes da sentença (ex nunc), se os bens particulares comunicam-se na comunhão universal, o resultado prático é o mesmo.
Sobre o assunto, ensina Nelson Rosenvald:
Ainda sobre a sentença, há grande dificuldade em apontar se os seus efeitos serão retroativos ou não-retroativos. Com efeito, imaginando se tratar de modificação de um regime de comunhão para uma separação absoluta, é de se lhe reconhecer efeitos ex nunc, não retroativos, sendo obrigatória a realização de partilha. De outro modo, hipoteticamente admitida a mudança de um regime separatório para a comunhão universal, naturalmente, vislumbra-se uma eficácia retroativa, ex tunc. Assim, entendemos que dependerá do caso concreto a retroação ou não dos efeitos da sentença. De qualquer modo, é certa a possibilidade dos interessados requererem, expressamente, ao juiz que estabeleça a retroação da eficácia do comando sentencial, optando pelos efeitos ex tunc. Outrossim, no que tange à esfera jurídica de interesses de terceiros, a eficácia será, invariavelmente, ex nunc, não retroativa.
Em outras palavras, em regra, a alteração apenas atinge atos posteriores ao trânsito em julgado da sentença, preservando-se, pois, a situação anterior originada pelo pacto antenupcial (ex nunc).
Todavia, não se descarta a possibilidade do pedido de modificação do regime tenha efeitos ex tunc, ou seja, que retroajam à data da celebração do casamento. Essa é uma situação que deve ser apreciada pelos Magistrados, em cada caso concreto.

2.5. OPOSIÇÃO DE TERCEIROS.
Uma das principais preocupações dos legisladores, ao permitir a alteração do regime de bens, é a ocorrência de fraudes e prejuízos a terceiros, o que tornaria o ato anulável (art. 158 CC).
No curso do procedimento, como já visto, os credores apontados pelos cônjuges deverão ser citados, sendo-lhes oportunizado, inclusive, a produção de provas.
Todavia, caso os interessados não indiquem nenhum credor, e o pedido de modificação seja julgado por sentença, poderá o terceiro prejudicado valer-se de quatro meios processuais. São eles:
a. Requerer, se apurado fato posterior, a modificação da sentença, ouvidos os cônjuges, eis que, em tais procedimentos, não incide a coisa julgada material (embora não repetido no novo CPC o texto do art. 1111 CPC, continua havendo apenas coisa julgada formal na sentença);
b. Se verificada ocorrência de simulação, vício de consentimento ou preterição de requisito formal, poderá ajuizar Ação Anulatória da sentença e da alteração do regime e/ou declaratória de nulidade (art. 966 § 4º NCPC). Veja-se que não cabe ação rescisória, exatamente por não haver coisa julgada material;
c. Se os bens do cônjuge devedor forem, de forma dissimulada e em virtude do novo regime de bens, adquiridos em nome do outro ou para ele transferidos, poderá pleitear o reconhecimento da fraude contra credores (arts. 158 e seguintes do CC);
d. No curso da execução, fundada em dívida de um cônjuge, requerer a penhora de bens do outro, caso comprove que a dívida beneficiou este também (arts. 790 IV NCPC, arts. 1643 e 1644 CC e súmula 251 STJ).

O terceiro que sentir-se prejudicado com a modificação do regime de bens, então, dispõe de diversos mecanismos judiciais para proteger seus direitos.
É recomendado, entretanto, que, na própria petição inicial, os interessados apontem os credores e os respectivos bens garantidores da dívida. Agindo dessa forma, evita-se qualquer restrição por parte do julgador e do representante do Ministério Público, os quais observarão, de plano, a boa fé dos autores.

2.6. UNIÃO ESTÁVEL.
Entre as novas famílias da CR/88 encontram-se a família monoparental do art. 226, §4º CF, formada por um dos pais e de sua respectiva prole, e a união estável (homoafetiva ou não) que adquiriu o status de entidade familiar, no art. 226, §3º.
Não há dúvidas de que o afeto tornou-se a base de toda e qualquer relação familiar no novo Código Civil. Inclusive, a união homoafetiva ganhou reconhecimento na doutrina e na jurisprudência.
Quanto à união estável e o regime de bens, o sistema legal é claro no sentido de que, restando-se comprovada, aplicam-se as regras do regime da comunhão parcial de bens, à luz do artigo 1725:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Ocorre que, da mesma forma como acontece no casamento, caso os companheiros decidam estabelecer outro regime de bens (diferente do supletivo legal), basta que seja elaborada minuta de união estável, tratando do assunto.

2.7. CASAMENTOS CELEBRADOS NA VIGÊNCIA DO CC/16.
Atualmente, já não mais prevalece o entendimento de que a alteração do regime de bens não pode ser concedida àqueles que se casaram até o dia 10/01/2003 (em respeito, conforme era entendido, aos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, e à ressalva do artigo 2.039 do Código Civil de 2002).
Doutrina e jurisprudência, após diversos estudos e discussões, convergem pacificamente no sentido de que qualquer casal pode pleitear em juízo a modificação do regime matrimonial, independentemente da data de celebração do casamento.
A discussão girava em torno da interpretação do art. 2.039, segundo o qual, “o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”.
De acordo com a interpretação literal de tal dispositivo, a alteração de regime de bens somente é aplicável aos casamentos posteriores à nova lei civil. Seriam imutáveis, a rigor, os regimes adotados na vigência da lei anterior.
Contudo, o alcance da regra de direito intertemporal do art. 2.039 do CC/2002 não deve ser interpretada literalmente.
Analisando-se o dispositivo, é possível inferir que, ao dispor que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do código anterior é o por ele estabelecido, determinou a incidência das normas do código de 1916 somente no tocante às regras específicas a cada um dos regimes matrimoniais.
A questão da imutabilidade não estava inserida no capítulo que tratava das modalidades de regime, mas, sim, no que dispunha sobre os efeitos do casamento, o qual não tem mais vigência em nosso ordenamento e não está abrangido pela regra de direito intertemporal do art. 2.039 do novo Código Civil.
Dessa forma, apenas serão aplicadas as regras do Código Civil de 1916 quando a discussão for sobre as normas específicas dos regimes de bens e das doações antenupciais previstas pelos arts. 256 a 314 do CC/1916. Quanto à mutabilidade, de seu turno, aplica-se a orientação do código vigente.
O entendimento pretoriano já é uníssono nesse sentido:
Precedentes recentes de ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte uniformizaram o entendimento no sentido da possibilidade de alteração de regime de bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, por força do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual.
Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos.
Nas palavras de Maria Berenice Dias “[…] o que foi determinado foi a mantença do regime que existia e, não a sua imodificabilidade” .
Com efeito, correta é essa interpretação, pois atende aos fins sociais da lei, conforme ensina o art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, ainda, respeita a liberdade de planejamento familiar.

  1. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS E OS TÍTULOS EXECUTIVOS: JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. AMPLIAÇÃO RELEVANTE.

O crédito alimentar pode ter origem em título judicial ou extrajudicial.

Com efeito, o Juiz poderá fixar alimentos, provisórios ou definitivos, por meio de ato judicial. De igual forma, as próprias partes poderão entabular transação, seja por meio de escritura pública ou documento particular, pela qual uma delas assumirá a obrigação alimentar.

No tocante ao título judicial, não há dúvida de que – provisório ou definitivo – sempre comportará a execução, que, a partir da adoção do processo sincrético, passou a ser por meio da fase de cumprimento de sentença.

Tal procedimento, que dispensa a instauração de ação específica, está previsto no art. 528 NCPC . Ali, prevê o legislador o cabimento do cumprimento de sentença, que poderá ser instaurado para exigir o pagamento de pensão alimentícia fixada por sentença propriamente dita ou mesmo por “decisão interlocutória”. E, no artigo 531 , o mesmo Código complementa com a informação de que o regramento se aplica a “alimentos definitivos ou provisórios”.

Sabe-se que o inadimplemento da obrigação alimentar autoriza a decretação da prisão civil do devedor. Tal medida coercitiva viabilizar-se-á desde que, conforme o § 3º do citado art. 528 , o executado, além de não pagar quando instado, deixar de provar que efetuou anteriormente o pagamento ou deixar de apresentar justificativa para tanto.

Registre-se, como cediço, que o cumprimento da sentença ou decisão poderá se dar pela modalidade de penhora e sem, consequentemente, a prisão civil (§ 8º art. 528 NCPC) . Demais disso, o procedimento poderá se efetivar por meio de desconto em folha de pagamento do devedor (art. 529 NCPC) .

Já quanto ao título extrajudicial havia discussões se ele permitiria a prisão civil. É que, na redação do art. 733 CPC/73, o legislador fez uso da expressão “sentença ou de decisão”, o que poderia levar à conclusão que só atos judiciais autorizariam a medida coercitiva drástica.

Pois bem, com o advento do NCPC, a matéria estará pacificada. Isso porque o art. 911 NCPC contempla, expressamente, a “execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar”, estabelecendo, mais adiante no par. único, que as disposições pertinentes à prisão civil aí também se aplicam.

Com efeito, pode-se dizer que embasará, por exemplo, execução por título extrajudicial, com possibilidade de prisão civil, a escritura pública que contenha obrigação alimentar, inclusive no âmbito de acordo de divórcio, separação ou extinção de união estável (arts. 784 II e 733 NCPC) . De igual forma, o documento particular, com a assinatura de duas testemunhas, pelo qual o devedor assume a referida obrigação (art. 784 III) , e o instrumento de transação referendado por alguns dos sujeitos citados no inc. IV do art. 784 NCPC , onde há também a assunção do compromisso pelo alimentante.

Portanto, há interessante ampliação dos títulos executivos que autorizam a prisão civil do devedor de alimentos.

3.1 CITAÇÃO E INTIMAÇÃO. COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS E O CHAMAMENTO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS.

Na execução de alimentos por título extrajudicial deverá o juiz mandar “citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, prova que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo” (art. 911 NCPC). Prevê o legislador a prisão civil, como aqui já afirmado, no par. único do referido art. 911 NCPC.

Se optar o credor pelo processamento da execução sob o rito que gera penhora de bens, em vez da prisão civil, a citação do devedor será para “pagar a dívida, no prazo de 3 (três) dias, contado da citação” (art. 829 NCPC, aplicado por força do art. 913 NCPC) .

Houve avanço quanto à citação no processo de execução, de forma geral, eis que foi permitida sua realização via postal. Sim, o art. 222 “d” CPC/73, que veda a citação postal em processo de execução, não foi repetido no correlato artigo do novo código (art. 247).

Logo, aquele martírio do credor para conseguir localizar pelo ato citatório o devedor de alimentos, mormente naquelas hipóteses em que se fazia necessária a carta precatória, tende a ser mitigado, ante a facilidade de consecução da citação postal.

É verdade, porém, que o legislador manteve o critério, no caso de pessoa natural ser o citando, que ele próprio assine o recibo. Aliás, a jurisprudência já não admitia a teoria da aparência, no caso de citação de pessoa física, já tendo sido decidido pelo STJ que “a validade da citação de pessoa física pelo correio está vinculada à entrega da correspondência registrada diretamente ao destinatário, de quem deve ser colhida a assinatura no recibo, não bastando, pois, que a carta apenas se faça chegar no endereço do citando”. E, mais ainda: “Caberá ao autor o ônus de provar que o citando teve conhecimento da demanda contra ele ajuizada, sendo inadmissível a presunção nesse sentido pelo fato de a correspondência ter sido recebida por sua filha ” .

Esse rigor, com efeito, no caso de execução de alimentos, ainda mais quando se tratar do rito com prisão civil, não deve comportar atenuação. A citação é ato processual indispensável à validade do processo e precisa haver segurança quanto à sua correta realização.

Não obtendo sucesso na citação postal, diz o código que o autor deverá se valer da citação pelo oficial de justiça (art. 249 NCPC) . E também aí o oficial de justiça deverá obter o ciente do citando no mandado ou certificar que ele se recusou (art. 251 NCPC) .

Porém, não é raro em execuções de alimentos o citando incorrer em ocultação. Em tal hipótese, caberá a citação por hora certa, agora admitida expressamente para execuções, tanto que o art. 254 NCPC utiliza a expressão “executado”, ao dizer que o escrivão ou chefe de secretaria terá que dar ciência a ele por carta, telegrama ou correspondência eletrônica, depois de concretizada aquela modalidade de chamamento.

Nada obsta a utilização da citação por edital, mesmo em execução de alimentos pelo rito da prisão civil, caso “ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando” (art. 256 II NCPC).
Não há vedação legal a tal instrumento, o qual já vinha sendo admitido pela jurisprudência, inclusive do STJ . Com efeito, é voz corrente naquele pretório a afirmativa de que “não há vício de citação na execução de alimentos pelo simples fato de o ato processual ter sido efetivado mediante edital, sobretudo quando evidenciada, nos autos, a frustração das tentativas de chamamento do devedor por meio dos métodos ordinários” .
Por derradeiro, cabe acentuar que a citação por meio eletrônico, já prevista nos arts. 6º e 5º da Lei 11.419/2006 , foi estabelecida, expressamente, no art. 246 V do novo código processual. Todavia, ela depende de prévio cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, o qual, enquanto não houver regulamentação legal expressa, só será obrigatório à “União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta” e às “empresas públicas e privadas”, “com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte” (art. 246 §s 1º e 2º NCPC).
Em outras palavras, embora não haja vedação à citação por meio eletrônico na execução de alimentos (pelo contrário, o NCPC exige a indicação do “endereço eletrônico” do réu, em qualquer petição inicial – art. 319 II) , a sua concretização dependerá da criação de procedimento que efetive e dê segurança ao prévio credenciamento do executado (conferir art. 2º Lei 11.419/06) .
No caso de alimentos fixados por título judicial, como já se estudou aqui, o credor valer-se-á do procedimento de cumprimento de sentença. Referido procedimento poderá colimar na prisão civil do devedor (art. 528 e seus §s NCPC) ou, caso assim opte o credor, poderá gerar apenas a penhora de bens (art, 528 § 8º NCPC).
O legislador optou por exigir a intimação do devedor, para que este, no prazo de três dias, pague, prove que já pagou ou justifique a impossibilidade de efetuar o pagamento (art. 528 NCPC) . Teve o cuidado, ademais, de dizer que tal intimação será realizada “pessoalmente”. É importante pontuar aqui que a expressão intimação pessoal não significa que o ato terá que ser por oficial de justiça. A intimação se diz pessoal porquanto se opõe àquela que é feita na pessoa do advogado no cumprimento de sentença (art. 513 § 2º NCPC). Mas pode se realizar pelo correio (art. 274 NCPC) ou por meio eletrônico (art. 270 NCPC), desde que dirigida, naturalmente, ao citando.
A respeito da intimação por correspondência, cabe destacar que, diferentemente da citação, ela será válida, inclusive no cumprimento de sentença para recebimento de alimentos, mesmo que não recebida pessoalmente pelo interessado, se tiver ocorrido modificação temporária ou definitiva de endereço e se tal não houver sido informado ao juízo (art. 274 par. único NCPC) .
Deve-se registrar que, uma vez fixados os alimentos por decisão judicial, e manifestado pelo credor a pretensão de cumprimento da mesma para recebimento do seu crédito, poderá acontecer do devedor comparecer espontaneamente no processo por meio de seu advogado. E, em tal hipótese, ainda que a procuração outorgada ao causídico não contenha poderes expressos para citação ou intimação pessoal em nome do devedor, este será considerado intimado na data do comparecimento.
Ora, não condiz com a boa-fé processual (art. 5º NCPC) o comportamento da parte que toma ciência por meio de seu advogado da exigência do crédito alimentar e, depois, passa a aguardar e exigir sua intimação pessoal. Aliás, o novo diploma codificado acentua expressamente que a ciência inequívoca traz a presunção de intimação, em especial quando acontecer a retirada dos autos “em carga pelo advogado” (art. 272 § 6º NCPC) .
É convincente o precedente do STJ , no sentido de que “resta configurado o instituto do comparecimento espontâneo (art. 214, §1º, do CPC) na hipótese em que o réu, antecipando-se ao retorno do mandado ou “a.r” de citação, colaciona aos autos procuração dotada de poderes específicos para contestar a demanda, mormente quando segue a pronta retirada dos autos em carga por iniciativa do advogado constituído”. E prossegue a ementa do referido acórdão: “Conjuntamente considerados, tais atos denotam a indiscutível ciência do réu acerca da existência da ação contra si proposta, bem como o empreendimento de efetivos e concretos atos de defesa. Flui regularmente, a partir daí, o prazo para apresentação de resposta. Irrelevante, diante dessas condições, que o instrumento de mandato não contenha poderes para recebimento de citação diretamente pelo advogado, sob pena de privilegiar-se a manobra e a má-fé processual”
Este entendimento há que ser aplicado – e assim vem ocorrendo na jurisprudência pátria – também ao cumprimento de sentença pelo rito da prisão civil. A premência própria dos alimentos, ainda que a medida coercitiva da prisão seja drástica, justifica que se considere suprida a intimação pessoal do devedor no caso de comparecimento espontâneo.
3.2. MEDIDAS COERCITIVAS. PRISÃO. PROTESTO. CADASTRO DE INADIMPLENTES.
Sabidamente, na execução de alimentos o foco é a própria subsistência do alimentando. Por isso o texto constitucional admite, não como sanção mas a título de coerção, a prisão civil do alimentante-devedor.
O § 3º do art. 528 NCPC, ao tratar do cumprimento ou execução de título judicial, manteve a prisão civil do inadimplente “pelo prazo de 1(um) a 3(três) meses”. O art. 911 par. único NCPC seguiu o mesmo critério, ao versar sobre a execução por título extrajudicial que consubstancie crédito alimentar.
Destaque-se que, em sintonia com a súmula 309 STJ, o novo código consignou, expressamente, que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Digno de acréscimo, ainda quanto à prisão, que o legislador optou pelo cumprimento da prisão “em regime fechado”, devendo, porém, “o preso ficar separado dos presos comuns” (art. 528 § 4º NCPC).
Demais disso, agora reafirmando o óbvio (art. 40 CPP) , o Código conclama o Juiz, no caso de “conduta procrastinatória do executado”, “se for o caso”, a “dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material” (art. 532 NCPC).
As novidades efetivas e de relevância do novo sistema codificado, relacionadas às medidas coercitivas, encontram-se na previsão de protesto do título e na inscrição do nome do devedor no cadastro de negativação de inadimplentes.
A previsão expressa do protesto é direcionada para todas as hipóteses de cumprimento de sentença, eis que prevista genericamente no art. 517 NCPC . É óbvio que, seja por força da lei específica de regência (Lei 9492/97) seja pela aplicação subsidiária do cumprimento de sentença à execução por título extrajudicial (art. 771 par. único NCPC) , este também será protestável.
O primeiro ponto que distingue o protesto específico para o título que consubstancia crédito alimentar em relação à regra geral é a sua força cogente, ou seja, o Juiz, ex officio, deve determinar o protesto.
Com efeito, no art. 517 NCPC – regra geral – há previsão da faculdade atribuída ao credor (“poderá”), sendo claro que a ele competirá tomar as diligências para o protesto (§ 1º). Já o art. 528 § 1º, ao versar sobre o cumprimento de decisão que fixa alimentos, diz que “o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial”, não repetindo aí a faculdade e iniciativa do credor.
Isso significa que, independente de requerimento do credor, o Juiz, ao deparar com ausência de pagamento ou justificativa válida do devedor, impor-lhe-á, de maneira concomitante, a prisão civil e o protesto do título judicial. Interessante que – não é raro – o devedor pode se esconder para evitar a prisão; porém, enquanto se esconde, terá o título protestado, o que poderá, ao menos, trazer-lhe transtornos comerciais e para a entabulação de negócios jurídicos.
Outro ponto que privilegia o protesto de título judicial que contempla verba alimentar é a possibilidade de tal acontecer, ainda que se trate de alimentos fixados provisoriamente e com pendência de recurso sem efeito suspensivo. Sim, diferente do art. 517 que diz sobre “decisão judicial transitada em julgado”, o art. 528 faz alusão apenas ao cumprimento de sentença “que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos”. Vale dizer que, na mesma linha do art. 531 e seu § 1º do referido codex, é possível a execução de alimentos provisórios, mesmo com decisão sem trânsito em julgado, e também o protesto do respectivo título.
Na verdade, o protesto de decisão judicial já vinha sendo admitido pela jurisprudência, a partir da percepção de que a Lei 9492/97 possui, na parte final de seu artigo 1º, redação genérica e receptiva de tal possibilidade (“e outros documentos de dívida”). Agora, a situação ficou clara e cogente, no caso de dívida alimentar.
O procedimento do protesto, no âmbito cartorário, é aquele previsto na Lei 9492/97, sendo que, uma vez proveniente de ordem judicial sua implementação só poderá ser sustada também por determinação do juízo (art. 17 Lei 9492/97) , o mesmo acontecendo com o cancelamento do seu registro já efetivado (art. 517 § 4º NCPC) . Todavia, uma vez quitado o valor consignado no título no prazo legal contido na lei de regência, será evitado o registro do protesto, não sendo necessária para isso prévia ordem judicial (art. 19 Lei 9492/97) .
Embora óbvio, é cauteloso lembrar que não cabe ao Tabelião analisar qualquer justificativa sobre a impossibilidade do pagamento, tarefa esta reservada com exclusividade ao Juiz (art. 528 e §s NCPC).
De anotar-se, por fim, que o novo código ampliou as benesses da gratuidade da justiça aos notários ou registradores (art. 98 IX NCPC) , o que alcança todos os atos relacionados ao cumprimento de ordem judicial para protesto do título que embasa crédito alimentar.
De outro lado, o art. 782 § 3º NCPC trouxe a previsão de que, “a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes”.
Trata-se de permissivo relevante e que se presta a pacificar a divergência jurisprudencial acerca do tema, notadamente no concernente à execução de alimentos .
A viabilidade da negativação do nome do devedor está prevista expressamente quando o Código novo trata da execução por título extrajudicial (art. 782), sendo ampliada para o cumprimento de sentença no § 5º do citado artigo legal.
O problema que poderia surgir está na afirmativa contida no dito § 5º art. 782, de que se aplica a viabilidade à “execução definitiva de título judicial”. Essa restrição poderia eliminar o meio coercitivo em pauta para a execução de decisão interlocutória (alimentos provisórios) e para aquelas decisões ainda não transitadas em julgado.
Ocorre que tal restrição não se revela cabível. É que a restrição à execução definitiva diz respeito à regra geral, sendo que a ideia do legislador, quanto aos alimentos provisórios e aos ainda não submetidos ao trânsito em julgado da decisão que os fixou, é tratá-los em pé de igualdade com a execução daqueles já definitivos (art. 531 e § 1º NCPC).
Ora, não havendo vedação expressa à negativação do nome do devedor no caso de dívida alimentar provisória, não se justifica restrição imposta à regra geral. Ademais, ofenderia ao princípio da razoabilidade (art. 8º NCPC) e ao da primazia do crédito (art. 805 par. único NCPC), a vedação da negativação ao devedor de alimentos provisórios, o qual pode, inclusive e com muito mais gravidade, ser submetido à prisão civil em regime fechado, além de ter a decisão protestada em cartório.
Ao contrário disso, parece se submeter à regra geral (vedação da negativação no caso de título provisório), aquela execução que não se processa pelo rito severo que colima na prisão civil. Ou seja, perdida a natureza alimentar e revestida de característica indenizatória, a verba em discussão recai na regra geral, onde incide a restrição e só se admite a negativação com base em título judicial definitivo (transitado em julgado).

  1. MEDIDAS DE URGÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA.

4.1 MEDIDAS DE URGÊNCIA – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA ATÉ O NOVO CPC.
A efetividade das decisões judiciais sempre foi uma preocupação a atormentar aqueles que estudam o Direito. E, quando se fala em efetividade, vêm à tona as medidas de urgência!
Com efeito, o Código de Processo Civil/73, antes mesmo das várias reformas que lhe foram impostas e da própria Constituição Federal de 1988, já estabelecia a possibilidade de obtenção imediata e satisfativa do bem de vida perseguido, em sede de liminar, em alguns procedimentos especiais. Assim é que, por exemplo, o Código admitia a proteção possessória, com evidente caráter satisfativo, já no início do trâmite do processo respectivo (art. 928 CPC/73). De igual forma, antes mesmo do CPC/73, a lei que regulava o processo de mandado de segurança (Lei 1.533/51), em seu artigo 7º, previa a hipótese da concessão da ordem, já em caráter liminar.
As medidas cautelares, cujo objetivo é apenas o de assegurar o resultado prático do processo, também já estavam previstas nos arts. 796 e segts do CPC/73.
Portanto, pode-se afirmar que, antes da Carta Constitucional de 1988, já existiam dispositivos que objetivavam a maior efetividade do processo. Em outras palavras, a busca do processo “justo”.
Aliás, já se percebia a nítida distinção entre as tutelas cautelares e as tutelas antecipadas. As primeiras, previstas nos aludidos arts. 796 e seguintes do Código Processual/73, objetivavam garantir o resultado prático do processo e não eram satisfativas (o bem de vida perseguido não era alcançado, de imediato). Já as tutelas antecipadas, embora ainda não previstas expressamente no Código àquela época, aconteciam, na prática, por intermédio das liminares em procedimentos especiais, sendo que, nestes casos, havia a plena satisfação com a obtenção do bem de vida.
Eis que, com a Constituição de 1988, houve a previsão de que seriam assegurados a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º. inc. LXXVIII). Mais ainda, houve a previsão de garantia de apreciação pelo Poder Judiciário de “lesão”, inclusive quando ocorrer “ameaça a direito” (art. 5º. XXXV CF).
No plano infraconstitucional, notadamente no que toca às tutelas de urgência, houve avanços que se mostravam atentos aos ditames constitucionais.
De fato, com a Lei 8952/94 houve a instituição da tutela antecipada, pela qual se generalizou quanto à possibilidade de a medida de urgência ser satisfativa. Vale dizer que, desde que houvesse, além do perigo de dano ou abuso no direito de defesa, “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação” (art. 273 CPC/73), já poderia o magistrado “antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial”.
Na linha do que já admitia o chamado Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90 – art. 84 § 3º), a referida Lei 8952/94 inseriu no Código de Processo Civil/73 a antecipação da tutela para os casos de obrigações de fazer ou não fazer (art. 461, § 3º). Em seguida, e por intermédio da Lei 10.444/02, estendeu-se a mesma medida para as ações que tivessem por objeto a “entrega de coisa” (art. 461 A e § 3º CPC).
Disto tudo sobressai que, sob a ótica do estatuto processual de 1973, havia divisão nas medidas de urgência: tutela antecipada e cautelar, sendo que a primeira teria caráter satisfativo e a segunda visaria garantir o resultado prático do processo.
Acontece que os requisitos à concessão das referidas medidas, ainda à luz do estatuto codificado de 1973, eram diferentes, até mesmo porque o alcance da tutela antecipada é mais amplo e eficaz do que o da cautelar.
Sim, conforme aquele Código, para a tutela antecipada era de rigor que houvesse “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação” (art. 273 CPC/73), requisitos estes que exigem uma quase certeza de que o pretendente tem razão em seu pleito e será vitorioso ao final. Já para a cautelar, havia um rigor menor, na medida em que bastava à sua concessão a relevância da fundamentação e o perigo de dano.
De maneira objetiva, lembra Antônio Carlos Marcato , ao se referir à tutela antecipada, que “predomina o entendimento de que não se trata de cautelar, pois não se limita a conservar situações para assegurar a efetividade do resultado final, mas implica antecipação do próprio resultado”.
Fredie Didier, Paula Sarno, Rafael Oliveira evidenciam a distinção entre a cautelar e a tutela antecipada:
Sob essa perspectiva, somente a tutela antecipada pode ser satisfativa e atributiva, quando antecipa provisoriamente a satisfação de uma pretensão cognitiva e/ou executiva, atribuindo bem da vida. Já a tutela cautelar é sempre não-satisfativa e conservativa, pois se limita a assegurar a futura satisfação de uma pretensão cognitiva ou executiva, conservando bem da vida, embora possa ser tutelada antecipadamente.

Conforme entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque ,

[…] distinguem-se, todavia, pelo caráter satisfativo de uma, inexistente na outra. As medidas cautelares exerceriam em nosso sistema apenas a função de assegurar a utilidade do pronunciamento futuro, mas não antecipar seus efeitos materiais, ou seja, aqueles pretendidos pela parte no plano substancial. A diferença fundamental entre ambas residiria, pois, nesse aspecto provisoriamente satisfativo do próprio direito material cuja tutela é pleiteada de forma definitiva, ausente na cautelar e inerente na antecipação.
O que acontece é que essa dualidade de medidas de urgência, com requisitos e procedimentos distintos, estava a causar embaraços na prestação jurisdicional. É que os requerimentos feitos erroneamente ocasionavam o indeferimento das pretensões, em vista de inadequação formal.
A fim de superar tal obstáculo formal, a Lei 10.444/02 cuidou de trazer o § 7º ao art. 273 CPC/73, o qual consubstanciou a chamada fungibilidade das medidas de urgência. Em outras palavras, o requerimento que desconsiderasse a dicotomia entre cautelar e tutela de urgência poderia, ainda assim, ser aproveitado, em homenagem à efetividade do processo.
Com efeito, “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizada” (§ 7º art. 273 CPC).
Trata-se, aí, de um grande avanço na efetividade, pois, ao permitir que a cautelar seja deferida, incidentalmente, no próprio processo principal, o legislador de então acenou com a possibilidade de haver uma desburocratização com a eliminação do processo cautelar autônomo.
Para Wambier, Almeida e Talamini ,

[…]
Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta.

O texto do artigo 273 do parágrafo 7º, deixa clara a antes mencionada fungibilidade entre tutela antecipada e tutela cautelar. Diversamente do que pode parecer com uma leitura rápida, a providência de natureza cautelar pode ser postulada ainda que não tenha expressado pleito de antecipação de tutela. Pode ocorrer de o autor não ter pedido antecipação de tutela (até mesmo por eventualmente não lhe interessar tal antecipação), mas ter pedido providência de natureza diversa do provimento final almejado, com os requisitos suficientes para a concessão de medida cautelar. Nessa hipótese, a norma autoriza o pedido (cautelar) em processo de conhecimento. Por outro lado, e embora a regra não o diga expressamente, as razões antes expostas evidenciam que fungibilidade também haverá de ser reconhecida no sentido oposto – ou seja, poderá haver deferimento de tutela antecipada requerida sob a forma de “medida cautelar”.

Já para Machado e Chinellato ,

Contrariamente ao posicionamento corrente da doutrina que vem vislumbrando com presente dispositivo apenas a fungibilidade do pedido de tutela antecipada, ousamos divergir para afirmar que este §7º significa muito mais que isso, posto que a idéia de Fungibilidade pressupõe o equívoco da parte ao solicitar providência antecipatória em vez da natureza cautelar, quando, na verdade, o que o texto sob enfoque permite é que, a partir de agora, se peça naturalmente providência cautelar da mesma forma como se pede antecipação da tutela, vale dizer, independentemente de propositura da ação cautela incidental.(…). O que queremos salientar é que a parte não precisa errar na qualificação jurídica da providência para que o juiz possa conceder-lhe o provimento acautelatório – se a postulação inadequada ocorrer, sem nenhum problema o juiz poderá compreendê-la, à luz da necessidade real da parte, e conceder a cautela, tendo em conta a fungibilidade -, pelo contrário, pode deliberada e conscientemente requere por essa nova forma de tutela cautelar incidental. Para que se alcance toda a potência normativa que este novo §7º proporciona, destarte, basta que se interprete a locução “a título” como “na forma” e aí teremos um resultado exegético verdadeiramente significativo para o processo civil. Atente-se, por derradeiro, para o fato de que essa nova regulamentação introduzida no artigo 273 não representa o desaparecimento do processo cautelar, porquanto as cautelares antecedentes (chamadas preparatórias) permanecem intactas no sistema (art. 796, do CPC), e nem mesmo a morte do processo cautelar incidental, na medida em que o art. 796 referido não foi alterado pala Lei n. 10.444/2002 (e ele fala de procedimento cautelar […] no curso do processo principal”), de sorte que apenas quando o juiz verifique que o requerimento de cautela (art .273, §7º) se encontra bem instruído, não depende de prova oral e não vai gerar tumulto nos autos do processo cognitivo, então, o órgão jurisdicional concede a providência solicitada; caso contrário, o magistrado determina ao requerente que postule a medida acautelatória em sede própria, ajuizando ação cautelar incidental, o que permitirá a ampla discussão de matéria fática e jurídica sem comprometer o andamento do processo principal.

A jurisprudência assimilou este avanço, permitindo a concessão da tutela de urgência, independente do rótulo dado pela parte, desde que observados os requisitos legais. Vale conferir o seguinte exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. LIMINAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TUTELAS DE URGÊNCIA. FUNGIBILIDADE ADMITIDA. REFORMA. O princípio da fungibilidade, consagrado no art. 273, §7º, do CPC, torna possível a concessão de uma medida de urgência no lugar da outra, em atenção à celeridade e economia processual.

Enfim, no sistema do CPC/73, encontramos esta divisão legal entre as tutelas de urgência (cautelares e tutelas antecipadas), havendo, contudo, a admissão de que haja o atendimento do pleito da parte, independente da nomenclatura adotada no requerimento (fungibilidade). E, mais ainda, o procedimento adotado é irrelevante (incidental ou por processo cautelar separado), eis que importa, isto sim, o preenchimento dos requisitos legais à obtenção da proteção judicial.
Eis que, agora, estamos com um novo Código de Processo Civil.
Pois bem, com o propósito de eliminar o processo cautelar, o legislador estabeleceu as tutelas provisórias, divididas em “tutela de urgência” e “tutela de evidência”, sendo que serão ajuizadas sempre nos mesmos autos do processo principal.
E mais: o legislador, influenciado pela fungibilidade aqui já mencionada e valorizada, prevê o cabimento das tutelas de urgência, seja em caráter cautelar seja com natureza satisfativa (antecipada).
Eis o dispositivo do art. 292 do novo CPC:

Art. 294 – A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo Único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Destarte, poderá ser requerida qualquer das medidas de urgência, sem que haja alteração de procedimento em virtude de sua natureza – satisfativa ou cautelar.
Aliás, o novo codex uniformizou os critérios à concessão das tutelas cautelar e antecipada. De fato, o art. 300 do novo CPC destaca, sem fazer qualquer distinção entre as medidas de natureza cautelar e as satisfativas (tutelas antecipadas), que a tutela de urgência será concedida quando forem demonstrados “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado prático do processo” (destacamos).
Vale lembrar que, neste particular, haverá uma mudança. É que o art. 273 CPC/73, ao tratar da tutela antecipada (satisfativa), exigia a “prova inequívoca” dos fatos alegados, assim como a “verossimilhança da alegação”. Ora, como é cediço, esses critérios, diferentemente dos adotados para as medidas cautelares, exigem que haja uma quase certeza de que o pretendente tem razão quanto à pretensão principal e, por isto mesmo, é merecedor de sua antecipação.
Em outras palavras, agora, o legislador, embora exija a “probabilidade do direito”, dispensa para qualquer tutela de urgência, inclusive a antecipada, a rigorosa prova inequívoca. Ora, diferente da veemência que advém das expressões, usadas conjuntamente, “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação”, a “probabilidade do direito”, inserida isoladamente no texto legal, significa aquilo que já vem carregado de forte indício de veracidade, mas sem a quase certeza.
O objetivo do legislador aí foi atenuar o rigor, até então usado para as tutelas antecipadas, e que, muitas vezes, pela confusão que havia entre as medidas de urgência, era exigido também para medidas de nítido caráter meramente cautelar.
O Juiz, à luz do novo instrumento codificado, deve verificar, quando da análise de tutelas de urgência, inclusive as satisfativas, a ocorrência do perigo de dano e, no mais, avaliar se há razoabilidade na tese jurídica sustentada e se a mesma encontra o mínimo apoio nas provas até então produzidas. Evidente que a mitigação no rigor às medidas de urgência (agora, chamadas de tutelas provisórias), em especial as antecipadas (satisfativas), trará consequências na outra ponta, ou seja, deverá ser potencializada a responsabilidade objetiva (indenização) daquele que as pleiteia indevidamente (art. 302 NCPC). Ou, se necessário, deverá o Juiz ficar atento à possibilidade de exigir caução do promovente da medida de urgência (art. 300 § 1º novo CPC).
Cabe o registro, contudo, que ainda persiste, com relação à tutela de urgência antecipada, a inviabilidade de sua concessão, quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300 § 3º).
Pois bem, seguindo adiante, veremos que o novo Código traz, efetivamente, um avanço, ao prever a tutela de evidência. A grande diferença entre esta e a tutela de urgência é que a primeira dispensa o requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Com efeito, a tutela de urgência exigirá, para ser concedida, o chamado periculum in mora. Já a tutela de evidência, conforme preconiza o art. 311 do novel Código, “será concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo”. (destacamos).
A concessão da medida pretendida sem o requisito do periculum in mora representa um avanço no campo da efetividade. Ora, o processo lento, e que só traga o bem de vida perseguido depois de longo tempo, não é justo. O processo justo é aquele que traz a satisfação à parte, ainda a tempo e modo.
Neste cenário de instituição da tutela de evidência, o legislador previu situações específicas em que ela será cabível.
A primeira delas, prevista no inciso I do referido artigo 311, é quando “ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”.
Na verdade, pode-se dizer que, mesmo no sistema do CPC/73, já havia a previsão de tutela de evidência, em situações deste jaez, ainda que sob o rótulo de tutela antecipada. Isto porque o art. 273, inc. II, do Código de Processo Civil de 1973, já admitia a concessão da tutela antecipada, mesmo sem a presença do risco de dano.
Realmente, o requisito de “receio de dano irreparável ou de difícil reparação” já estava previsto no inciso I daquele artigo, como sendo uma regra geral. Já o inciso II do mesmo artigo dispensava o periculum in mora, desde que “fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”.
É fácil verificar, pois, que a tutela de evidência em casos tais, na prática, já existia em nosso ordenamento processual.
Vale conferir o tratamento doutrinário sobre o tema, à luz do CPC/73 :

Já no que tange ao abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito protelatório do réu (inciso II do art. 273), o legislador dispensou a necessidade do perigo de dano. Para a caracterização desse requisito, basta a utilização indevida do processo pelo réu para dificultar a prestação da tutela jurisdicional pleiteada, impedindo a efetividade e a celeridade do processo.

O abuso do direito de defesa resta configurado quando o réu pratica atos indevidos dentro do próprio processo, já o manifesto intuito protelatório corresponde ao comportamento do réu fora do processo, mas com ligação direta à relação processual, tal como a ocultação de provas.

Ressalte-se que, de acordo com a finalidade da norma, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela nesses casos, somente se justifica se da conduta do réu resultou atraso indevido na entrega da prestação jurisdicional.

Para alguns autores, como Cândido Rangel Dinamarco e Calmon de Passos, pode-se usar como parâmetro, para a identificação dessas situações, o artigo 17 do Código de Processo Civil, que estabelece hipóteses de litigância de má-fé.

Teori Albino Zavascki denominou, para efeitos meramente classificatórios, a hipótese de antecipação de tutela prevista no art. 237, I, como antecipação assecuratória, e a hipótese prevista no art. 273, II, como antecipação punitiva. Em relação a essa última, o Autor faz importante ressalva: “embora não se trate propriamente de uma punição”.

Para Marcato ,

Na situação do inciso II do art. 273, a razão de ser da antecipação é completamente outra, não vinculada ao perigo concreto de dano. Revela a existência de postura assemelhada à litigância de má-fé, já regulada pelos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.

De fato, a possibilidade de os efeitos serem antecipados em razão do comportamento assumido pelo réu, consistentes em apresentar defesa despida de seriedade, não esta ligada a perigo de dano concreto. Destina-se tão somente a acelerar o resultado do processo, pois o direito afirmado pelo autor é verossímil, circunstância que vem reforçada pela inconsistência dos argumentos utilizados pelo réu em sua resposta. Ou seja, a existência do direito é provável não só pelos argumentos deduzidos pelo autor, como também pelos apresentados na defesa.

A segunda situação (art. 311 inc. II) se trata da hipótese “em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamentos de casos repetitivos ou em súmula vinculante”. Neste caso, supõe-se que os fatos são incontroversos e comprovados de plano. Pode-se dizer que, nos moldes da lei que regula o mandado de segurança, aqui também há a exigência do direito líquido e certo!
Destaque-se que a concessão da tutela de evidência, em casos em que a tese de direito já está pacificada por sistemas legais que harmonizam a interpretação do direito, é um grande avanço na efetividade. Vale lembrar que, nestas hipóteses, será desnecessário o requisito do perigo de dano, circunstância que evidencia o propósito de proteção ao litigante que, com segurança, tem razão em seu pleito, não sendo justo aguardar todo o desfecho do processo para a entrega final do bem de vida.
A terceira situação (art. 311 inc. III) abarca a possibilidade de concessão de tutela de evidência, nos casos em que “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”.
É oportuna a previsão do novo CPC, uma vez que, consoante súmula vinculante do STF, não é viável mais a prisão civil do depositário infiel (súmula 25 STF – “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”). Se o afastamento desta medida (prisão) inibe a eficácia na busca do bem entregue em depósito, a previsão do novo instrumento codificado mitiga tal inibição, na medida em que, de forma expressa, prevê a viabilidade de imposição liminar, e sem a necessidade de comprovação de perigo de dano.
A quarta e derradeira situação – e aí há verdadeiramente novidade a merecer aplausos – está prevista no inciso IV do multicitado art. 311: “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.
São dois requisitos os previstos para a concessão da tutela de evidência, nas hipóteses do inciso IV: “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor” e “que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.
A prova documental, da forma como exigida pelo dispositivo legal, só pode ser compreendida como aquela que, após a submissão ao contraditório (a presente hipótese não admite a liminar – par. único), mostra-se ainda suficiente a embasar as alegações do requerente e dispensa novos elementos probatórios.
Destaque-se que, aqui, tal como se diz em relação ao mandado de segurança, a prova documental tem que revelar o direito líquido e certo de quem a está a invocar. E, sabidamente, direito líquido e certo não é aquele que possui complexidade jurídica menor, mas sim aquele que está acobertado por prova documental pré-constituída. Em outras palavras, o requerente consegue demonstrar o que alega por meio de prova documental, e sem necessidade de dilação probatória posterior.
O requisito de que o réu não pode opor prova capaz de gerar dúvida razoável torna a obtenção da tutela de evidência, em casos tais, mais difícil.
O objetivo aí é o de vedar a concessão da tutela de evidência, caso o réu tenha prova que justifique a ampliação da dilação probatória. Ou seja, não porque a matéria jurídica é complexa, mas porque a mesma ainda não está clara sob a ótica fática, deve ser recusada a tutela de evidência.
Neste contexto, pode-se dizer que o réu deverá apresentar esta prova, por meio de documentos juntados à contestação. Ou seja, se o autor requerer a tutela de evidência depois da contestação em que o réu apresentar documentos com tamanha força probatória, deverá – repita-se – ser indeferida a medida pretendida.
De igual forma, poderá o autor requerer a tutela de evidência depois do encerramento da fase probatória (já com oitiva de testemunhas e prova pericial, por exemplo), sendo que se o réu tiver conseguido produzir prova contrária à pretensão autoral, vez mais deverá ser indeferida a pretensão.
Frise-se que, diferentemente do projeto tal como encaminhado à Câmara dos Deputados, o novo CPC acabou por inadmitir a concessão liminar da tutela de evidência nas hipóteses de protelação e abuso do direito de defesa (devem ficar configurados no próprio processo, portanto), assim como naquelas em há a prova documental suficiente e não infirmada pelo réu, o qual terá, necessariamente, a oportunidade de opor-se em sua resposta.

4.2. AS TUTELAS PROVISÓRIAS NO DIREITO DE FAMÍLIA. Como já aqui examinado, os princípios no Direito de Família propõem que o Estado-Juiz, ao deparar com conflito em tal área, deve privilegiar a paz social e o livre arbítrio. Assim é que o quanto antes o Poder Judiciário obtiver uma solução eficaz, seja pela mediação e/ou conciliação seja por decisão judicial, melhor será para o núcleo familiar envolvido.
Nesse particular, ganham corpo as chamadas “tutelas provisórias”, ante a natural demora para a prolação de decisão definitiva.
Assim é que, doravante, duas situações deverão ser observadas, como decorrência do novo código instrumental:
a) Fim do processo cautelar autônomo;
b) Criação da estabilização da tutela provisória antecedente e antecipada.
Com efeito, a burocratização do processo não contribui, mormente no Direito de Família, para a paz social. As formas exacerbadas prejudicam a pacificação do conflito familiar. Por isso mesmo, na linha do chamado processo sincrético, foi extinto o processo cautelar autônomo, o que, como antecipado, é de extremo valor ao Direito de Família.
A concentração de todos os conflitos e as respectivas medidas provisórias num só processo permite ao Juiz visualizar, com segurança, a extensão da desavença. E, mais ainda, permite-lhe conceder ou não a tutela provisória, em conformidade com o todo.
De outro lado, o art. 304 NCPC permite a estabilidade da decisão do Juiz concessiva da tutela antecipada. Trata-se de mecanismos pelo qual o promovente da medida opta por alcançar decisão judicial que produzirá apenas a coisa julgada formal, a qual, se não for atacada por recurso pela parte contrária, trará resultado prático e definitivo no processo. É viabilizado, todavia, à parte requerida ou mesmo à requerente rediscutir tal decisão, no prazo de dois anos, por ação própria para tanto (art. 303 § 5º NCPC).
Na medida em que os conflitos familiares vêm carregados de alta dose de emoção, a impedir a obtenção de acordo ou mesmo o fim do processo, tem-se que essa novidade legal pode contribuir à paz.
É que há medidas provisórias que podem ser alcançadas em definitivo, com uma única decisão, eis que, no fundo, são de cunho satisfativo e não tem elevada litigiosidade. A necessidade, imposta pelo CPC/73, de que a medida provisória seja discutida e objeto de sentença ao final, só serve para dificultar acordos e estimular o conflito irracional.
Por exemplo, a separação de corpos ou até o afastamento compulsório do lar são medidas que, uma vez implementadas, podem não justificar posterior discussão e prolação de sentença. A consumação prática de tais medidas, ao início do processo, é, na maioria das vezes, de cunho satisfativo. E, por isso mesmo, poderá o promovente da medida valer-se da faculdade em exame, constante do art. 303 NCPC, no sentido de apenas postular a tutela antecipada, dando-lhe conotação satisfativa.
De outro lado, também nessa linha de pacificação, tem-se que o novo código processual adotou a produção antecipada de provas como procedimento autônomo e sem vinculação ao eventual processo que venha a ser ajuizado. Trata-se de procedimento, doravante, simplificado, sem cabimento de defesa ou recurso (art. 382 § 4º NCPC).
E o mais importante: permite que a prova seja produzida, sem necessidade de que haja perigo de dano ao autor, podendo ser utilizada, inclusive, para facilitar a composição entre os interessados.
Eis o art. 381 NCPC:
Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

Nesse diapasão, pode-se manejar a produção antecipada de provas, a fim de fazer a comprovação do tempo de união estável, filiação biológica (DNA), desemprego do devedor de alimentos, dentre outros tantos fatos, tudo no afã e coibir a própria demanda.
Destaque-se que, o legislador, ao tratar desse tema, aproveitou para fazer uma dicotomia entre o arrolamento de bens para mera documentação e aquele em que há efetiva apreensão. Sim, na primeira hipótese, vale-se o interessado, por força do art. 381 § 1º NCPC, desse procedimento de produção antecipada de provas (por exemplo, levantamento dos bens, para futura partilha); já na segunda hipótese (apreensão do bem com nomeação de depositário), o interessado valer-se-á da tutela provisória de urgência e cautelar do art. 301 NCPC, onde haverá efetivo contencioso.
A tutela de evidência será útil, em determinadas situações, nos conflitos familiares. Com efeito, a desnecessidade da presença do perigo de dano é algo extremamente vantajoso ao demandante e atrai a pacificação, com maior rapidez. Assim é que, por exemplo, numa ação revisional de alimentos, mesmo que o autor esteja em cômoda situação financeira (ausência de perigo de dano), poderá o Juiz diminuir ou exonerar a obrigação alimentar antes da decisão final, se restar clara a alteração na condição da parte ré, desde que, obviamente, haja incidência de um dos incisos do art. 311 NCPC.
Enfim, os princípios aqui estudados, devidamente encampados pelo novo CPC, ajudam a tornar mais dinâmica e eficaz a intervenção do Judiciário nos conflitos de família.

  1. CONCLUSÃO
    No contexto constitucional e infraconstitucional, os princípios estão em destaque, de forma a contribuir para a compreensão das normas de forma geral.
    No Direito de Família, a prevalência da autonomia dos interessados e da paz social recomenda que os procedimentos judiciais sejam menos formais.
    Por isso mesmo, pode-se dizer que os institutos aqui estudados evoluíram. A mutação do regime de bens está jungida à vontade dos cônjuges; a execução de alimentos está com procedimento mais eficaz, tendo obtido, também, meios coercitivos de resultado prático; e as medidas de urgência estão concebidas de forma a ajudarem na rápida solução do litígio, seja por decisão seja por autocomposição.
    Vê-se, por aí, que a legislação, atenta aos princípios mais relevantes e atuais, procura aproximar, num sentido prático e efetivo, o Judiciário do jurisdicionado.
    Luiz Fernando Valladão Nogueira.