Artigo – Indisponibilidade de bens em ação por improbidade administrativa – Nova Disciplina Legal – Lei 14.230/21 – Interpretação Do Art. 16 Da Lia

                  Artigo do Dr. Luiz Fernando Valladão Nogueira

Resumo: Objetiva-se, por meio das reflexões aqui feitas, assimilar as alterações legais sobre a indisponibilidade de bens em ações de improbidade, ao mesmo tempo que se faz interpretações à luz de outros diplomas legais e da jurisprudência até então vigente, sem prejuízo de ponderar-se sobre os propósitos do legislador.

Abstract: The aim is, through the reflections made here, to assimilate the legal changes on the unavailability of assets in actions of impropriety, at the same time that interpretations are made in the light of other legal diplomas and the jurisprudence until then in force, without prejudice to reflect on the purposes of the legislator.

Palavras-chave: Indisponibilidade de bens – Lei de Improbidade Administrativa – perigo de dano – tutela provisória.

Keywords: Unavailability of goods – Law of Administrative Improbity – danger of damage – provisional guardianship.
  1. Apresentação.

                          O presente artigo visa enfrentar alguns pontos sobre a indisponibilidade nas ações de improbidade administrativa, sobretudo diante das alterações advindas da Lei 14.230/21.

                                      Para facilitar a compreensão, estudar-se-á, especificamente, o artigo 16 e seus parágrafos da Lei 8429/92, com as alterações advindas da citada e recente lei.

                                      2. Alterações no art. 16 e seus pars.

Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.   

                                      A indisponibilidade de bens é uma tutela provisória, prevista expressamente na LIA. Agora, o legislador usou a expressão “indisponibilidade”, de forma expressa, em vez de repetir “sequestro” ou “bloqueio”.

                                      Aqui no caput do art. 16, a lei, em sua nova redação, estabeleceu que a tutela provisória, tal como previsto no CPC[2], será antecedente – previamente ou concomitante à formulação do pedido principal –, ou incidental – no curso do processo.  Na primeira hipótese, deverá o autor da ação indicar, se o requerimento de indisponibilidade for anterior ao pedido principal, no que este consistirá e os seus fundamentos[3]. Após o deferimento da indisponibilidade, terá o autor o prazo de trinta dias para aforar o pedido principal (art. 308 CPC[4]). Na segunda hipótese, bastará, por meio de petição incidental, mostrar os requisitos para o deferimento da indisponibilidade.

                                      Além disso, o legislador cuidou, nos parágrafos do art. 16, de regulamentar, com mais clareza, a extensão, procedimento e hipóteses de incidência dessa tutela provisória. No caput, já se sinaliza que a indisponibilidade se justifica para hipóteses de recomposição do erário ou para recuperar o valor pelo qual o agente se enriqueceu ilicitamente.

§ 1º-A O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo poderá ser formulado independentemente da representação de que trata o art. 7º desta Lei.

                                      O parágrafo 1º A, agora em análise, afasta a confusão da redação anterior da lei, pela qual vinculava a medida à hipótese em que Administração, uma vez apurando a improbidade internamente, formulava representação neste sentido ao Ministério Público ou à procuradoria do Órgão, para que estes, aí sim, requeressem a indisponibilidade ao Juízo. Agora, a redação legal é mais clara, no sentido de que a indisponibilidade independe de haver a representação pela Administração, à qual se refere o art. 7º[5].

§ 2º Quando for o caso, o pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.  

                              O dispositivo em análise mantém a previsão já existente, no sentido de que a indisponibilidade dos bens não se limitará aos bens mantidos no Brasil. Será possível, observadas normas legais e tratados internacionais, que a indisponibilidade alcance os bens mantidos no exterior, inclusive contas bancárias e aplicações financeiras, sem prejuízo da autorização para a investigação sobre sua existência.

§ 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.        

 § 4º A indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.          

                              Os parágrafos acima transcritos regulamentam, de forma mais clara, os requisitos e o procedimento relacionados à indisponibilidade dos bens.

                              De imediato, percebe-se, na leitura do par. 3º, duas mudanças relevantes quanto ao cabimento da indisponibilidade. Sim, superando entendimento jurisprudencial contrário, agora o legislador exige, para o deferimento da indisponibilidade, os requisitos próprios da tutela provisória de urgência, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo – art. 300 CPC[6].

                            Com efeito, o STJ assimilou entendimento, a exemplo do que acontecia com a liminar nas possessórias de rito especial, que, à míngua de exigência legal expressa sobre o requisito do perigo de dano, o mesmo não seria exigível para a obtenção da indisponibilidade dos bens em ação de improbidade[7].

                           De fato, o STJ partia do pressuposto de que essas medidas tinham a coloração de tutelas de evidência[8], a dispensarem o requisito do dano, hipótese que, como se vê, não mais é admitida, até porque o § 8º do artigo em estudo literaliza que se trata, in casu, de tutela provisória de urgência (e não de evidência).

                              Tratava-se, sem dúvida, de desatenção do legislador e dos próprios precedentes jurisprudenciais, na medida em que havia manifesta desproporcionalidade entre a grave indisponibilidade dos bens, ainda mais quando concedida antes da instrução probatória, e a dispensa de verificação sobre efetivo perigo de dano. A novidade, expressamente veiculada pela Lei 14.230/21, veio em boa hora, sobretudo se consideradas as consequências nefastas e irreversíveis de eventual e injusta indisponibilidade de bens.

                              Além disso, ao adotar os requisitos à tutela provisória de urgência, o legislador deixou claro que não se contenta com a relevância da argumentação contida na petição inicial sobre o ato de improbidade. Mais do que isso, deve haver probabilidade do direito (= quase certeza de que a acusação de improbidade tenha acontecido), sendo que a apuração dessa convicção não pode ser extraída de suposições, mas da prova documental já acostada aos autos (“com fundamento nos respectivos elementos de convicção”).

                              O rigor, agora abraçado pelo legislador, é justificável.

                              A uma, porque a indisponibilidade de bens é apta a paralisar a subsistência do acusado ou a atividade empresarial de pessoa natural ou jurídica por ela atingida. E, sendo assim tão grave, o princípio da proporcionalidade –  decorrente do devido processo legal e abraçado pelo artigo 8º CPC –, recomenda aquilo que efetivamente foi feito pelo legislador, ou seja, a inserção do requisito do real – e não presumido – perigo de dano, assim como da probabilidade do direito invocado (e não mera relevância da fundamentação apontada na inicial).

                              A duas, porque, como se verá mais adiante, a indisponibilidade em ações de improbidade, por serem arguidas, via de regra, pelo Ministério Público, encontram dificuldades, uma vez revogadas pela própria improcedência do pleito principal, de atraírem a necessária e justa indenização aos prejuízos sofridos pelo acusado. É que, ao contrário do que acontece nas tutelas provisórias de forma geral – art. 302 CPC[9], nas ações movidas pelo MP o representante ministerial dificilmente responderá em virtude das especificidades do art. 181 CPC[10], e sendo o Estado o condenado a ressarcir haverá a incidência da via crucis do precatório. Convenhamos, nesse diapasão, que o maior rigor para a concessão da indisponibilidade atende, aí também, ao princípio da proporcionalidade. É desproporcional que o cidadão veja seus bens indisponíveis, sem que haja demonstração de probabilidade do direito e perigo de dano, ao mesmo tempo em que não tem assegurado o ressarcimento integral no caso de ser improcedente a acusação de improbidade.

                              Por derradeiro, tem-se afiançado o pleno e efetivo contraditório também nessa fase, ou seja, o juiz só decidirá a indisponibilidade após ouvir o réu (prazo de 5 dias).

                              A opção legislativa é razoável, na medida em que, em havendo abrupta dilapidação patrimonial promovida pelo réu quando cientificado do requerimento de indisponibilidade, haverá mecanismos processuais e mesmo tecnológicos para se localizar bens, ainda a tempo e modo. Além disso, o parágrafo 11 elenca aquilo que é mais fácil de movimentar rapidamente (dinheiro) como última hipótese na gradação de bens que podem ser indisponibilizados. Ou seja, os demais bens, notadamente imóveis, dificilmente serão dilapidados, de forma eficiente, em tão curto prazo (5 dias para manifestação do réu).

                              Ademais, como toda regra comporta exceção, tem-se que o próprio parágrafo 4º cuidou de permitir a indisponibilidade liminar (sem oitiva do réu), quando houver prova da urgência. Com efeito, há situações em que a petição inicial já demonstra estar o réu colocando em prática, ciente das investigações, a dilapidação patrimonial, sendo que, em casos tais, é evidente ser necessário interromper essa operação por meio da abrupta indisponibilidade.

§ 5º Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito.

                              O dispositivo em estudo afiança, na linha do que já entendia o STJ, ser inconcebível indisponibilizar-se valores superiores ao que é indicado na petição inicial, ainda que exista litisconsórcio passivo[11].

                              Com efeito, a indisponibilidade visa resguardar o ressarcimento ao erário, em vista de ato de improbidade praticado pelos réus. Em havendo aí caráter ressarcitório, nada justifica a indisponibilidade superior ao dano estimado, mesmo em havendo mais de um réu.

       § 6º O valor da indisponibilidade considerará a estimativa de dano indicada na petição inicial, permitida a sua substituição por caução idônea, por fiança bancária ou por seguro-garantia judicial, a requerimento do réu, bem como a sua readequação durante a instrução do processo.        

                              O parágrafo 6º acima transcrito traz três informações relevantes: a) a indisponibilidade observará o limite posto na petição inicial, quanto ao valor dos danos; b) é permitida a substituição por caução, fiança bancária ou seguro-garantia judicial; c) pode a indisponibilidade ser readequada, em vista do que for apurada na instrução do processo.

                              De fato, já entendia o STJ, atento aos limites da lide traçados pela petição inicial, que a indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário”[12]. Ou seja, não é crível que a indisponibilidade alcance valores superiores àquilo que será objeto de ressarcimento, até mesmo porque toda tutela provisória objetiva salvaguardar o efetivo recebimento do bem de vida pretendido, e não acima do que foi postulado.  

                              Parece necessário, de outro lado, considerar que a indisponibilidade não precisa, cegamente, observar o valor estimado na exordial. Ora, pode acontecer de o magistrado perceber, inclusive após ouvir a parte contrária, que a estimativa é exagerada, razão pela qual, à luz do seu poder geral de cautela, poderá decretar a indisponibilidade em extensão inferior ao que foi estimado na petição de ingresso.

                               Quanto à substituição do que foi indisponibilizado, o legislador se alinhou ao que prevê o CPC, em seu art. 835 § 2º (“Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento”). Aliás, numa interpretação sistemática, apura-se que o acréscimo de 30% aludido pelo CPC deve ser observado, de igual forma, para a substituição de bem indisponibilizado por improbidade. A caução, ao que parece, terá menor utilização, já que a indisponibilidade já incide em bens do réu, tendo similar consequência ao que advém daquela.

                              A readequação da indisponibilidade, tal como assinalado no dispositivo em comento, permite a ampliação, diminuição ou mesmo revogação da indisponibilidade. Na verdade, essa possibilidade já tinha previsão no CPC, o qual, em seu artigo 296, afiança que a tutela provisória pode, “a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”.

§ 7º A indisponibilidade de bens de terceiro dependerá da demonstração da sua efetiva concorrência para os atos ilícitos apurados ou, quando se tratar de pessoa jurídica, da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a ser processado na forma da lei processual.       

                              O dispositivo ora em análise está ligado, diretamente, ao que prevê o art. 3º da mesma lei[13], no sentido de incidirem as sanções nela previstas também àqueles que não são agentes públicos.  Com efeito, o terceiro – aquele que não é qualificado como agente público – poderá ser responsabilizado, na forma da LIA, desde que “induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”.

                              A indisponibilidade de bens do terceiro exigirá, quanto à probabilidade do direito, a demonstração de que sua atuação foi dolosa (art. 3º) e, além disso, consoante a norma agora em análise, a comprovação de que efetivamente concorreu para os atos ilícitos.

                              A expressão “efetiva concorrência para os atos ilícitos apurados”, embora pareça um pouco redundante, pois, de certa forma, a exigência de dolo já exige tal circunstância, parece ter uma justificativa. Ao que parece, a ênfase é para exigir que o terceiro tenha agido com o olhar voltado ao ato ilícito e que foi o gerador de improbidade, e não para algum outro secundário e periférico.

                              Assim é que, por exemplo, mesmo que João seja notório laranja de Manoel (ato ilícito – simulação), se ele não se envolveu diretamente num específico ato de improbidade que beneficiou seu comparsa – fraude à licitação -, não pode ter seus bens indisponibilizados. 

                              De outro lado, a parte final do dispositivo impõe, na hipótese de o terceiro ser pessoa jurídica, que a indisponibilidade de bens dos seus sócios se concretize por meio do procedimento da desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137 CPC[14]). Trata-se de adaptação da lei à disciplina advinda do CPC/15, quanto ao procedimento específico e obrigatório de desconsideração da personalidade jurídica.

                                      É importante notar que a desconsideração, para essa situação, possui requisitos de direito material específicos, contidos no § 1º do já citado art. 3ª da LIA[15] (comprovada participação do sócio e obtenção de benefícios diretos).

                                      Por derradeiro, é de dizer-se que, embora omissa a má redação da lei quanto a esse ponto, é admissível a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica. Com efeito, uma vez prevista tal hipótese, expressamente, no procedimento legal para a desconsideração (art. 133 § 2º CPC[16]), e sendo ele referenciado pelo artigo em estudo, há que, numa interpretação sistemática, admitir-se que pessoa jurídica, caso esconda dolosamente bens do terceiro que contribuiu e foi beneficiado pelo ato improbo, tenha bens sujeitos à indisponibilidade.

§ 8º Aplica-se à indisponibilidade de bens regida por esta Lei, no que for cabível, o regime da tutela provisória de urgência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).   

                              A indisponibilidade de bens, como já adiantado nas reflexões sobre o caput do art. 16, reveste-se das características de tutela provisória. No parágrafo agora em estudo, o legislador foi mais específico e asseverou que se trata de “tutela provisória de urgência”, eliminando, de forma proposital, a alusão a outra espécie, qual seja a “tutela provisória de evidência[17].

                              O cuidado do legislador, nesse particular, faz sentido, pois a tutela de evidência, como sabido, dispensa a prova pontual do perigo de dano. E o que se apura da leitura do parágrafo 3º do art. 16, alhures objeto de estudo, foi a superação legal do entendimento do STJ (vide tema 701), voltado que era à desnecessidade de prova do perigo de dano (entendia o STJ que a indisponibilidade versava sobre um tipo de tutela de evidência). Em outras palavras, está clara e redundante a previsão legal, no sentido de que é imprescindível o requisito do perigo de dano, para a concessão da indisponibilidade.

                              No mais, o parágrafo 8º agora sob análise chama a atenção para o fato de que o regime da tutela provisória de urgência, naquilo que não esbarrar em previsões específicas da LIA, incide na medida de indisponibilidade.

                              Nesse contexto, pode-se chamar a atenção para a especificidade legal quanto à indisponibilidade em improbidade, no que tange à regra geral voltada à prévia oitiva do réu. Ou seja, diferente das tutelas provisórias de forma geral, onde a regra é a análise do pleito sem a oitiva da parte contrária (art. 300 § 2º CPC[18]), no caso da indisponibilidade em ação de improbidade prestigia-se, a priori, a prévia oitiva do réu (§ 3º art. 16 LIA, aqui já estudado).

                              De outro lado, pode-se destacar como incidentes também à indisponibilidade da LIA as disposições sobre a viabilidade de ser alterada ou revogada a medida restritiva, a qualquer tempo[19] (art. 296 CPC[20]); a viabilidade de o magistrado, em vez de conceder a tutela de indisponibilidade, dar à parte, valendo-se do seu poder geral de cautela, algo mais adequado e mesmo menos gravoso (arts. 297 e 301 CPC[21]); e a responsabilidade objetiva (com liquidação da indenização, como regra geral, nos próprios autos – par. único art. 302 CPC[22]) daquele que obtém tutela provisória, inclusive a indisponibilidade, mas, ao final ela é afastada por uma das hipóteses contidas nos incisos do art. 302 CPC[23].

§ 9º Da decisão que deferir ou indeferir a medida relativa à indisponibilidade de bens caberá agravo de instrumento, nos termos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).        

                              Aqui, o legislador foi redundante, porquanto o art. 1015 do CPC já estabelece caber agravo de instrumento contra as decisões que versarem sobre “tutelas provisórias” (inc. I). Seja como for, está aí assegurado o agravo de instrumento contra decisões que versarem sobre a indisponibilidade.

  § 10. A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.      

                              A disposição legal em estudo traz a superação de entendimento do STJ, no sentido de que a indisponibilidade poderia alcançar valores suficientes para o pagamento da multa (tema repetitivo 1055[24]). Além de não ser mais possível que recaia sobre eventual multa civil, foi textualizado que só recairá a indisponibilidade sobre bens que assegurem o ressarcimento integral ao erário, sendo excluída a incidência sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.

                              Destaque-se que, evidentemente, o magistrado não está vinculado à estimativa de danos ao erário estabelecida na peça de ingresso. Como já adiantado em estudo ao parágrafo 6º, o magistrado pode, diante da fragilidade da prova acostada à inicial, vislumbrar valores menores e conceder a indisponibilidade limitada a tal compreensão. Entender-se diferente seria eliminar a discricionariedade própria do poder geral de cautela atribuído ao magistrado.

§ 11. A ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo.  

                   O objetivo da norma em análise é deixar bem clara a opção do legislador em privilegiar a subsistência do acusado e a manutenção da sua atividade empresária, de maneira a permitir a indisponibilidade de dinheiro apenas para a hipótese em que não houver outros bens.

                     A alteração legal é escorreita, na medida em que, diferentemente do que acontece com a penhora de bens, a qual se dá num contexto em que o credor já possui título executivo – judicial ou extrajudicial –, a indisponibilidade antecede ao julgamento de mérito sobre a improbidade, não sendo proporcional o abrupto estrangulamento financeiro-econômico do réu, antes mesmo dele se defender.

§ 12. O juiz, ao apreciar o pedido de indisponibilidade de bens do réu a que se refere o caput deste artigo, observará os efeitos práticos da decisão, vedada a adoção de medida capaz de acarretar prejuízo à prestação de serviços públicos.        

                                O legislador, aqui, está em sintonia com o que prevê a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com a redação da Lei 13.655/18), em seu artigo 20, no sentido de que nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão” 

                                      Com efeito, nada mais razoável do que a prévia análise sobre as consequências práticas de determinada decisão, mormente quando essa pode interferir na prestação de serviços públicos. Ora, não faz sentido a imposição de indisponibilidade de bens de determinado prestador de serviços à Administração, se tal medida gera prejuízos à coletividade. A indisponibilidade de bens daquele que é acusado de improbidade não deve, em princípio, prejudicar a população que se beneficia dos serviços por ele prestados. Deve-se priorizar, num contexto desse, outros meios constritivos.

  § 13. É vedada a decretação de indisponibilidade da quantia de até 40 (quarenta) salários mínimos depositados em caderneta de poupança, em outras aplicações financeiras ou em conta-corrente.         

§ 14. É vedada a decretação de indisponibilidade do bem de família do réu, salvo se comprovado que o imóvel seja fruto de vantagem patrimonial indevida, conforme descrito no art. 9º desta Lei.              

                                      Esses dois parágrafos estão em consonância com a jurisprudência do STJ, a qual já vinha afastando, como regra geral, a indisponibilidade sobre bens que seriam impenhoráveis.

                                      Ora, se já é impenhorável o depósito em até 40 salários mínimos (art. 833 inc. X CPC), não há razão para ser admitida sua indisponibilidade, até mesmo porque tal medida restritiva, por estar relacionada ao cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, antecede à própria penhora. Se o bem é impenhorável, pode-se dizer, como corolário óbvio, não pode sobre ele recair o gravame da indisponibilidade.

                                      Da mesma forma, se a Lei 8009 já protege o bem de família, excluindo-o da penhora, inviável que sobre ele recaia a indisponibilidade.

                                      Embora os dispositivos em comento tenham se referido apenas aos depósitos de até 40 salários mínimos e aos bens de família, a interpretação sistemática sugere se tratar de rol exemplificativo. Isso porque, consoante raciocínio acima já desenvolvido, os bens impenhoráveis, salvo hipótese de fraude ou se forem fruto de vantagem indevida, não podem ser alcançados pela indisponibilidade. A jurisprudência do STJ em tal sentido[25] merece ser referendada.

                                      3. Rápida Conclusão.

                                      Ao que se viu, a normatização recente procurou corrigir excessos proporcionados pela redação original da lei, no que toca à indisponibilidade de bens em ações de improbidade. Além disso, atenta ao princípio da legalidade, optou por adaptar a norma de regência ao entendimento jurisprudencial vigente correto ou superar aquele tido como inadequado, facilitando, dessa forma, a uniformização do Direito em nosso sistema federativo.        


[1] Advogado, Procurador do Município de BH, Professor universitário e Coordenador de pós-graduação em Direito Processual Civil, autor e coautor de livros, dentre eles Recursos e Procedimentos nos Tribunais (6ª ed, ed. D´Placido) e Recurso Especial (5ª ed., ed. Del Rey).

[2] Art. 294. …

Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

[3] Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

[4] Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

[5] Art. 7º Se houver indícios de ato de improbidade, a autoridade que conhecer dos fatos representará ao Ministério Público competente, para as providências necessárias.

[6] Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

[7] Tema 701 STJ – Tese Firmada: “É possível a decretação de indisponibilidade de bens do promovido em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro”

[8] Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

[9] Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

I – a sentença lhe for desfavorável;

II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

[10] Art. 181. O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.

[11] RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. INDISPONIBILIDADE DE BENS A FIM DE ASSEGURAR O RESSARCIMENTO DO DANO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONSTRIÇÃO LIMITADA AO VALOR SUFICIENTE PARA RECOMPOR O ERÁRIO. “QUANTUM” A SER DETERMINADO PELO JUIZ. PEDIDO DE BLOQUEIO PARA GARANTIR O PAGAMENTO DE CONDENAÇÃO EM MULTA CIVIL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. INAPLICABILIDADE DO JULGADO NO RESP N. 1.366.721/BA. TUTELA DE URGÊNCIA. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO “FUMUS BONI IURIS” E DO “PERICULUM IN MORA”. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.

II – Havendo solidariedade entre os corréus da ação até a instrução final do processo, o valor a ser indisponibilizado para assegurar o ressarcimento ao erário deve ser garantido por qualquer um deles, limitando-se a medida constritiva ao “quantum” determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada. Precedentes…

V – Recurso Especial parcialmente conhecido e improvido.

(REsp 1731782/MS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 11/12/2018)

[12] AgRg no REsp 1311013 / RO, rel. Min Humberto Martins, DJe 13.12.2012

[13] Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.        

[14] Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

 Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

  Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

[15]  § 1º Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação.

[16] § 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

[17] Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

[18] Art. 300 § 2º. A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

[19] O parágrafo 6º do art. 16, aqui já estudado, de certa forma, encampa a literalidade do art. 296 CPC, ao prever a hipótese de sua “readequação”.

[20] Art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.

[21] Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.

Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

[22] Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

[23] Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

I – a sentença lhe for desfavorável;

II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

[24] É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

[25] PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REGRA DE IMPENHORABILIDADE. VALORES ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que as regras de impenhorabilidade previstas no Código de Processo Civil aplicam-se aos casos de indisponibilidade de bens decretada nos termos do art. 7º da Lei n. 8.429/1992. Precedentes: AgInt no REsp 1.440.849/PA, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 30/5/2018; REsp 1.319.515/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 21/9/2012. 2. Nessa esteira, a jurisprudência do STJ tem afastado a possibilidade de tornar indisponíveis, com fulcro no art. 7º da Lei n. 8.429/1992, os valores referentes a salários, pensões, vencimentos, remunerações, subsídios, pois constituem verba de natureza alimentar essenciais ao sustento da parte e de sua família. Precedentes: REsp 1.164.037/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 9/5/2014; REsp 1.461.892/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6/4/2015. 3. Da mesma forma, também está imune à medida constritiva de indisponibilidade, porquanto impenhoráveis, os saldos inferiores a 40 salários-mínimos depositados em caderneta de poupança e, conforme entendimento do STJ, em outras aplicações financeiras e em conta-corrente, desde que os valores não sejam produto da conduta ímproba. Precedentes: AgInt no Resp 1.427.492/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado 19/2/2019; REsp 1.676.267/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/10/2017; AgRg no REsp 1.566.145/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/12/2015; EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 19/12/2014.

4. No caso dos autos, a Corte de origem manteve a indisponibilidade de bens anteriormente decretada em valor inferior a 40 salários-mínimos depositados em conta corrente, decidindo, portanto, contrariamente à jurisprudência desta Corte.

5. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 1.310.475/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 11/4/2019.)