Projeto de Lei pretende desburocratizar a alteração do regime de bens e permiti-la em Cartório, dando concretude aos princípios da livre autonomia e menor intervenção do Estado

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.639-A: “Art. 1.639-A. É admissível alteração do regime de bens, mediante escritura pública, ressalvados os direitos de terceiros. § 1º A alteração do regime de bens do casamento será feita por meio de requerimento assinado conjuntamente pelos cônjuges dirigido ao tabelião de notas, que, atendidos os requisitos legais, lavrará a escritura pública independentemente da motivação do pedido. § 2º O requerimento será acompanhado de: I – certidão de casamento atualizada; II – pacto antenupcial, se houver; III – declaração de domicílio atual do casal. § 3º Os requerentes devem ser assistidos por advogado comum ou advogados separados, cuja qualificação e assinatura constarão da petição e do ato notarial. 2 § 4º Em se tratando de cônjuges casados sob o regime de separação obrigatória de bens, o tabelião de notas somente lavrará a escritura de alteração de regime de bens se provada a superação das causas que o ensejaram. § 5º O tabelião extrairá edital a ser publicado na rede mundial de computadores durante trinta dias previamente à lavratura da escritura. § 6º Os terceiros interessados poderão opor as causas suspensivas que obstam a alteração do regime da separação de bens, por meio de declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas. § 7º Se houver apresentação de causa suspensiva, o tabelião dará ciência do fato aos requerentes, para que indiquem em três dias prova que pretendam produzir, e remeterá os autos a juízo. § 8º Recebidos os autos, o juiz determinará a produção de provas pelo oponente e pelos requerentes, no prazo de dez dias, com ciência do Ministério Público, e ouvidos os interessados e o órgão do Ministério Público em cinco dias, decidirá o juiz em igual prazo. § 9º No caso previsto no parágrafo anterior, a mudança de regime se dará com o trânsito em julgado da decisão que a autorizar. § 10. Imediatamente após a alteração pretendida, os cônjuges deverão promover a sua averbação perante os cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, junto ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. § 11. A alteração do regime de bens pode ter efeitos retroativos ou não, a depender da vontade dos cônjuges, ressalvado o direito de terceiros.” Art. 2º Revogam-se os seguintes dispositivos: I – o § 2º do art. 1.639 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), renumerando-se o § 1º como parágrafo único; II – o art. 734 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Código de Processo Civil). Art. 3º O título da Seção IV do Capítulo XV da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Código de Processo Civil), passa a vigorar com a seguinte redação: “Seção IV Do Divórcio e da Separação Consensuais e da Extinção Consensual de União Estável” Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 3 JUSTIFICAÇÃO A simplificação de procedimentos antes condicionados ao exame do Poder Judiciário já é uma realidade bastante festejada no ordenamento jurídico brasileiro. No Código de Processo Civil de 2015, prestes a entrar em vigor, podemos levantar diversos casos em que a utilização da escritura pública é prevista, tais como na demarcação e divisão de terras particulares (art. 571); inventário e partilha (art. 610, §§ 1º e 2º); homologação de penhor legal (art. 703, § 2º); e divórcio, separação e extinção de união estável (art. 733). Apesar de todos esses avanços, se hoje o casal quiser alterar o regime de bens, deve postular em juízo ou, então, divorciar-se para se casar de novo, o que parece bastante absurdo. A exigência de que o casal tenha que motivar o pedido de alteração do regime matrimonial de bens e que esse motivo tenha que ser apreciado pelo Poder Judiciário nos parece exorbitante das cláusulas assecuratórias da intimidade e da autonomia do casal no planejamento familiar (artigos 5º, inciso X, e 226, § 7º, da Constituição Federal) ou, ainda, das disposições previstas no art. 1.513 do Código Civil, segundo a qual “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Além disso, a Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, já possibilitou a realização de inventário, separação e divórcio consensuais pela via extrajudicial, através de escritura pública. O objetivo principal da referida lei é satisfazer os interesses das partes, que, de maneira mais simples, podem alcançar seus objetivos sem depender da via judicial e em consequência diminuir o número de processos distribuídos ao Judiciário. Segundo Maria Berenice Dias, é “de todo injustificável que o pedido de alteração seja fundamentado. Ora, se os noivos têm a liberdade de escolher o regime de bens que quiserem, antes do casamento, a pretensão de alterá-lo não carece de qualquer motivação, até porque expressamente é ressalvado direito de terceiros. Ao depois, como o divórcio pode ser obtido sem a necessidade de implemento de qualquer prazo, podendo ser levado a efeito, inclusive, extrajudicialmente, nada impede que o casal, que queira alterar o regime de bens, simplesmente se divorcie, faça um pacto antenupcial e case novamente, sem ter que dar explicações a ninguém. ” Assim, questiona-se por qual razão a Lei poderia permitir o sepultamento do casamento através do divórcio extrajudicial – medida mais gravosa – sem a necessidade do crivo judicial, e, injustificadamente, manter a exigência da autorização judicial do §2º do artigo 1.639 do Novo Código Civil para a alteração do regime de bens do casamento – medida menos gravosa –, quando ainda se preserva o casamento. A realização de uma escritura de alteração de regime de bens, como defendido por Maria Berenice Dias, só vem a sedimentar o novo contexto do direito das famílias onde deve primar a intervenção mínima do Estado nas relações familiares. 4 Não se pode olvidar que o modelo instaurado pela Lei nº 11.441, de 2007, é eficaz e eficiente na medida em que a modificação pretendida será feita sob a assistência de Advogado e, principalmente, nas notas do Tabelião, que é o operador do Direito especialmente habilitado para tal função, já que faz parte do seu cotidiano a realização de pactos antenupciais e diversos tantos outros atos notariais de não menor complexidade, ajustes patrimoniais, ajustes familiares, entre outros. Não há que se temer em se permitir que um casal assistido por advogado, perante um Tabelião, modifique as disposições que regem as relações patrimoniais oriundas do seu casamento se a Lei já há algum tempo – e com muito sucesso – lhe permite mais. É forçoso salientar, inclusive, que, caso a mudança venha a prejudicar terceiros, não se discutirá a sua validade ou não, mas apenas a sua eficácia. Corretamente, o Código Civil impõe simplesmente a ineficácia da mudança quanto aos terceiros prejudicados, produzindo essa alteração do regime todos os efeitos não só com relação aos cônjuges, como também quanto aos terceiros não prejudicados. A título de ilustração, suponha-se que haja alteração do regime de comunhão universal para a separação absoluta de bens com o intuito de fraude aos credores do marido. Para os credores eventualmente prejudicados, a mudança é ineficaz e se aplicam as regras da comunhão universal. Contudo, caso os cônjuges se divorciem, a partilha se dará à luz da separação de bens. Da mesma forma, se um dos cônjuges falecer, a sucessão em concorrência com os descendentes se dará de acordo com o novo regime escolhido. É, de fato, um verdadeiro despropósito manter tal exigência, já que, se preciso for, um hipotético casal poderia lançar mão de conduta fraudulenta forjando um divórcio extrajudicial para, então, já no dia seguinte, iniciar novo processo de habilitação com vistas a novo casamento, obtendo, assim, por via obliqua, aquilo que a Lei poderia muito bem lhes facilitar, sem ter de simular. A alteração do regime de bens passa a valer a partir da lavratura da escritura pública, mas a eficácia perante terceiros depende da averbação no registro civil das pessoas naturais e do registro ou averbação no cartório de imóveis de domicílio do casal. Na ausência de impedimento legal, é possível retroagir os efeitos da mudança do regime. Como o que não é proibido é permitido, é necessário admitir a possibilidade de a alteração atingir bens adquiridos antes do pedido de alteração, assim como os havidos antes mesmo do casamento. Ou seja, a mudança pode atingir bens comuns ou particulares, bens já existentes ou bens futuros. A retificação pode ter efeitos ex tunc ou ex nunc, a depender da vontade dos cônjuges, contanto que não prejudique terceiros O próprio texto legislativo conduz à possibilidade da eficácia retroativa ao ressaltar os direitos de terceiros, ressalva essa que só tem cabimento pela possiblidade de retroação. Adotado o regime de comunhão universal, a retroatividade é decorrência lógica. Impossível pensar em comunhão sem implicar comunicação de todos os bens posteriores e anteriores à modificação. Igualmente, sendo adotado o regime de separação de bens, necessária a retroação da mudança, ou absoluta não será a separação. 5 A proposta estrutura-se ainda de forma a preservar o regime de separação obrigatória de bens ao dispor que o tabelião de notas somente lavrará a escritura de alteração desse regime de bens se provada a superação das causas que o ensejaram. Proporciona-se, ainda, a possibilidade de apresentação de causa suspensiva que obste a alteração do regime de separação de bens no procedimento de alteração de regime. Oposta a causa suspensiva (art. 1.523 do CC), que impeça a alteração extrajudicial do regime de separação de bens (art. 1.641 do CC), a questão será remetida ao juiz, que poderá autorizar a mudança de regime, quando os requerentes provarem a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada, respectivamente nos casos dos incisos I, III e IV do art. 1.523 do CC, ou o nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo previsto no inc. II do art. 1.523 do CC. Nesses termos, esperamos poder contar com o apoio dos ilustres pares para a aprovação desta matéria. Sala das Sessões, Senador ANTONIO CARLOS VALADARES