A Reforma do CPC e os Recursos – A Hora do Debate (artigo publicado no caderno Direito & Justiça – jornal Estado de Minas, edição de 29 de março de 2010)

Luiz Fernando Valladão Nogueira

Por iniciativa do Senado Federal, foi instituída uma Comissão Nacional de Juristas, cujo objetivo é elaborar o texto do novo Código de Processo Civil. A referida comissão já apresentou um primeiro trabalho, pelo qual oferece “proposições temáticas”. Há naquelas proposições alguns avanços. Contudo, a nosso ver, existem propostas que merecem algumas reflexões a mais.
Com efeito, limitando-nos aos recursos, assunto deste trabalho, verificamos que as propostas alcançam as fazendas públicas, excluindo-lhes algumas prerrogativas que só contribuem à morosidade e ao desalento do cidadão. Assim é que, por exemplo, está sendo proposto o fim do chamado “reexame necessário”, instituto este que assegura o encaminhamento do processo ao tribunal, quando a sentença é contrária à fazenda pública, ainda que esta não queira recorrer.
Continuando nas propostas que se afiguram positivas, encontramos a unificação dos prazos recursais em 15 dias, o que ajuda a diminuir a complexidade dos processos e facilita o trabalho dos advogados.
De maneira a aumentar a responsabilidade da parte que quer recorrer, afigura-se interessante a proposta de criação da“sucumbência recursal”. Isto significa que a cada recurso não provido haveria a fixação de honorários sucumbenciais, em benefício do patrono da parte vitoriosa. Detalhe: está sendo proposto o fim da inaceitável compensação dos honorários dos advogados, o que levaria ao cancelamento da ilegal súmula 306 STJ.
No tocante aos recursos de índole extraordinária (recurso extraordinário ao STF e recurso especial ao STJ), verificamos avanço na diminuição do rigor do prequestionamento (súmulas 282 e 356 STF e 211 STJ). Sim, pela proposta apresentada, bastará à configuração do prequestionamento que a parte manifeste embargos declaratórios contra o acórdão recorrido, apontando o ponto omisso, estando autorizada a instância superior a examinar, desde já, o tema recursal. Com isto, evita-se a anulação de acórdãos tidos como omissos, situação que contribui para a demora no encerramento dos processos.
Acontece que, em alguns outros pontos das ”proposições temáticas”, verificamos que é preciso maior compreensão à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Ora, a referida garantia está na Carta Magna, exatamente porque o legislador constituinte compreende esta necessidade do cidadão ter a possibilidade, por meio dos recursos adequados, de levar o debate a uma instância revisora. Isto é bom: permite o exercício da dialética, assegurando a qualidade e o aperfeiçoamento das decisões judiciais.
Nesse contexto, parecem-nos equivocadas as propostas de adoção do efeito devolutivo nas apelações, como regra geral, assim como a extinção dos embargos infringentes.
Ora, as sentenças de 1ª instância, dentro do espírito que norteia o duplo grau de jurisdição, só devem surtir efeitos, observadas as exceções necessárias, desde que confirmadas pelos tribunais de 2º grau. A prevalecer a proposta feita, é evidente que os sucumbentes em 1º grau irão se valer de mecanismos processuais junto aos tribunais, com o propósito de obter o efeito suspensivo. E tal situação, ao contrário do que se deseja, trará acúmulo de processos nos tribunais e insegurança jurídica.
De outro lado, os embargos infringentes – hoje com o cabimento bastante limitado, conforme art. 530 CPC – geram um número reduzido de recursos nos tribunais. E, sob outra ótica, garantem, de forma democrática, a uniformização de entendimentos nos tribunais e dão plenitude ao decantado duplo grau de jurisdição.
Preocupado com a necessidade de contribuir, a tempo e modo, com este novo diploma processual, o Instituto dos Advogados de Minas Gerais, a partir de trabalho realizado por comissão especialmente criada para este fim, irá fazer propostas à Comissão Nacional de Juristas e ao próprio Congresso Nacional.
Dentre estas propostas, está aquela que assegura, expressamente, ao advogado fazer sustentação oral em recurso de agravo de instrumento, que – a prevalecer o que está no trabalho da Comissão Nacional de Juristas – será utilizado, apenas contra “as decisões de urgência satisfativas ou cautelares”. De igual forma, será proposta a manutenção dos embargos infringentes, ou, na pior das hipóteses, que a lei preveja um novo procedimento de julgamento: independente da interposição de recurso, uma vez instalada a divergência, serão colhidos os votos dos demais magistrados integrantes do colegiado, assegurando-se, assim, uma decisão mais democrática e fruto de amplo debate.
Ainda será combatido pelo IAMG o excesso de formalismos, mormente no que tange ao juízo de admissibilidade recursal. Sinceramente, não faz sentido, por exemplo, a recente súmula 418 do STJ, que estabelece ser “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. Ora, se os embargos são opostos pela parte contrária, não tem aquele que interpôs o recurso especial como saber de tal fato, com antecedência. E, se o julgamento dos embargos declaratórios não alterar o acórdão anterior, é formalismo em demasia, não bastasse a ausência de previsão legal, a exigência contida na referida súmula.
Este, enfim, é o momento de todos nós, integrantes da família forense, manifestarmos nossas inquietudes e transformá-las em um novo Código de Processo Civil.